16 outubro 2013

Ao ser apresentado à população, projeto de Lerner para Orla do Guaíba é criticado


Projeto da Orla do Guaíba do arquiteto Jaime Lerner não prevê ciclovia. 


A proposta do arquiteto paranaense Jaime Lerner para a Orla do Guaíba foi vaiada por uma plateia de mais de 100 pessoas, entre estudantes e profissionais da arquitetura e urbanismo, além de ambientalistas e representantes de movimentos sociais e associações, como Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), que participaram de audiência pública sobre o Projeto Orla do Guaíba. Boa parte do secretariado municipal, como Cláudio Dilda, do Meio Ambiente, também acompanhou a audiência na Câmara de Vereadores, que durante três horas oscilou entre aplausos aos que se manifestaram contrários ao projeto, apresentado pela primeira vez à população porto-alegrense nessa audiência, e vaias a diversos pontos das propostas do arquiteto.

Em sua apresentação inicial, Lerner disse que há dois anos trabalha no projeto. Da chamada revitalização, ele destaca a ideia de ocupação intensa, que integre e preserve a vista do Guaíba, com equipamentos de lazer. “Nossa intervenção é junto ao Guaíba, cuja vocação está consagrada pela população”, justificou, ao afirmar que “assumimos a entrada do projeto com condições de obra”, e disse ainda que “a proposta é fazer uma modificação profunda na cidade”.
Udo Mohr, arquiteto e paisagista, conselheiro da Agapan. (foto: Heverton Lacerda)

Uma das principais críticas é a falta de Estudo de Impacto Ambiental, o Eia-Rima. A falta desse estudo foi levantada pelo arquiteto e conselheiro da Agapan, Udo Mohr. “Como um projeto dessa envergadura pode ser executado sem Eia-Rima”, questionou, ao criticar também a não realização de concurso público, o que limita o conhecimento pleno do usuário, no caso, a população, “que não conhece nem pode se manifestar sobre o projeto”, lamentou. Udo também criticou a forma precária de Lerner e seu sócio, Fernando Canalli, apresentarem as ideias, “e não um projeto, que deveria ter sido divulgado previamente para justificar a audiência pública”.

A realização de concursos públicos para projetos arquitetônicos e urbanísticos e uma exposição do projeto Orla do Guaíba, de Jaime Lerner, na Câmara de Vereadores nos próximos dias (ainda sem data de acontecer) foram alguns dos encaminhamentos da audiência pública, defendidos pelo presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Tiago Holzmann da Silva. Segundo o presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Thiago Duarte (PDT), a íntegra do projeto de revitalização da Orla do Guaíba será pedida ao autor, para ser exposto e aperfeiçoado.


DENÚNCIAS E FALHAS

Com limite de dez inscrições, representantes de diversos movimentos da sociedade civil usaram a Tribuna para se manifestar. Todos foram aplaudidos, sendo algumas considerações aplaudidas em pé. Sylvio Nogueira, do Movimento em Defesa da Orla e conselheiro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), denuncia a ilegalidade da licitação do projeto para a Orla do Guaíba e pede providências e investigação à Câmara de Vereadores. “A cidade é a sua população e não as obras”, conclama.

Aplaudido também foi Eduíno de Mattos, do Comitê Lago Guaíba e conselheiro do Plano Diretor, que pede a suspensão do projeto para ser retomado após a Copa do Mundo, que acontece no Brasil em junho de 2014. Mattos também defendeu a preservação e novos plantios de árvores nativas junto à mata ciliar do Guaíba, “e não coqueiros, como foi apresentado”, critica.

Projeto da orla: muito criticado pelas entidades, pois não houve consulta à população e vários erros são notórios.

O estacionamento na Praça Julio Mesquita e o deque junto à saída de esgotos da cidade também foram criticados. O deque na Marina da Prainha, projetado para a área próxima ao Anfiteatro Pôr do Sol, onde deságua parte do esgoto de Porto Alegre, foi motivo de preocupação de Ibirá Lucas, arquiteto e conselheiro Municipal do Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre. Ele também destacou a ausência de destinação do esgoto dos bares e restaurantes projetados e questiona a informação “detalhada para obras” na apresentação do projeto, que significa “não aceitar alteração”. Segundo ele, os desenhos em perspectivas apresentam falhas e distorções, e cita a necessidade de incluir no projeto espaços de convivência, com sombra e bancos para as pessoas sentarem. “Essa forma de contratação, por notório saber, deve ser banida”, exclamou Ibirá, ao sugerir que o MP solicite os mais de R$ 2 milhões pagos pelo projeto sejam devolvidos aos cofres públicos.

“Queremos olhar o céu de estrelas de verdade”, afirmou Cláudio Beviláqua, o `Erexim’, astrônomo e diretor do Laboratório de Astrologia da Ufrgs, ao criticar o projetado chão de estrelas, feito com bolas de gude e luzes. “É preciso eliminar a poluição luminosa das cidades para que as pessoas possam ver e contemplar o céu”, defendeu Erexim, ao explicar que “as lâmpadas brancas dão uma falsa ideia de segurança, mas são perniciosas à saúde humana”.

A artista plástica e conselheira da Agapan, Zorávia Bettiol, coordenadora do Grupo de Trabalho do Museu das Águas, que congrega 11 entidades, como Ufrgs e Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), lembrou que a Prefeitura de Porto Alegre se comprometeu em indicar uma área próxima à Orla para a instalação do Museu (Musa), e até agora não houve retorno aos inúmeros contatos feitos.

Público atento às 22 horas da noite. (foto: Nessa/Agapan)

Para Roberto Jakubaszko, do CMDUA, a participação popular é vital para a cidade de Porto Alegre, que em 2014 completa 25 anos de Orçamento Participativo. “É nosso hábito saudável debater tudo”, observou, ao defender o não alargamento de ruas e o estreitamento de calçadas.

Além da falta de sinaleiras para os pedestres, o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) defende a discussão do projeto Orla do Guaíba com a participação da sociedade, “até porque, pelo Portal Transparência, 1 milhão e 200 mil reais já foram pagos”. A forma de contratação e o pagamento pela Prefeitura estão sendo investigadas pela Polícia Federal.

As vereadoras Fernanda Melchiona (PSol) e Sofia Cavedon (PT) também criticaram a prática recorrente da Prefeitura de passar por cima da cidadania. “Não aceitaremos que esse projeto seja empurrado guela abaixo”, afirmou Fernanda. “Quando a população disse ‘não’ ao Pontal do Estaleiro, a administração deveria ter entendido que não queremos privatizar áreas públicas”, salientou Sofia, que denunciou o ex-secretário Municipal do Meio Ambiente, Luiz Fernando Záchia, de ter assinado o termo de referência para a contratação de Jaime Lerner sem prever Eia-Rima. “É muito grave rasgar dinheiro público quando a cidade passa por dificuldades”, complementa.

Luiz Fernando Záchia, ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre, foi preso e afastado da Prefeitura após ser indiciado pela Polícia Federal, em 29 de abril deste ano, durante a Operação Concutare, que investigou irregularidades em órgãos ambientais municipais e dos governos estadual e federal. Entre os 49 indiciados, estão os ex-secretários estaduais do Meio Ambiente, Carlos Fernando Niedersberg e Berfran Rosado.

Jaime Lerner, no dia 14 de agosto deste ano, foi condenado pela 4.ª Câmara Cível do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), com outros dois réus, a pagar indenização de R$ 4,3 milhões, a serem corrigidos àquele Estado. A sentença é datada de abril passado, mas foi divulgada apenas em 15 de agosto pelo MPE (Ministério Público Estadual). A ação civil pública por improbidade administrativa movida pela Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público do MPE refere-se ao pagamento de indenização autorizado por Lerner em 26 de dezembro de 2002 – cinco dias antes do fim de seu mandato de oito anos. Segundo o MPE, "o ex-governador deferiu pagamento indevido de indenização no valor de R$ 40 milhões em favor de Antonio Reis, cessionário de direitos de José Marcos de Almeida Formighieri, mesmo tendo sido alertado sobre inúmeros vícios e óbices ao pagamento".



Mais informações pelo http://www.iabrs.org.br/web/Noticias/Noticia.aspx?id=4305, pelo http://www2.camarapoa.rs.gov.br/default.php?reg=20509&p_secao=56&di=2013-10-14 e pelo http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/08/15/ex-governador-jaime-lerner-e-condenado-a-devolver-r-43-milhoes-ao-parana.htm

3 comentários:

Ronaldo Costa disse...

Resoluções CONAMA 303, 369 e 429 são ignoradas nesse projeto. Indiquei isso ao Marcelo Allet mais de um ano atrás. Desde então, tenho procurado lideranças para impugnar esse projeto, mas não encontro eco.

Ronaldo Costa
Analista Ambiental
Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas
Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
Ministério do Meio Ambiente

Anônimo disse...

E a reação do executivo diante dessa situação foi de dizer que a Prefeitura não participará mais de audiências públicas. O que é isso? Será preguiça, será soberba? Apenas para lembrar outra reação recente do prefeito que me causou espanto, na ocasião o alvo foi a promotoria pública do RS. Nós, porto-alegrenses, gostamos de participar das decisões, criamos instâncias e mecanismos para isso. O chefe do executivo deveria ter orgulho da cidadania e jamais nos decepcionar com demonstrações de rancor e intolerância. Lamentável.

Aires disse...

Que isto de de exigir EIA-RIMA?

ORA ESTE PROJETO NÃO TEM NEM LAUDO VEGETAL.

Não foram nem levantadas as espécies nativas.

Este projeto é tosco.