Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia |
Empresa de agrotóxicos aproveita a maior festa popular do Brasil ,
o Carnaval, para divulgar seus venenos.
A Campanha por Um Brasil Livre de Agrotóxicos,
no qual a Agapan é integrante,
denuncia e repudia esta atitude.
Rio de Janeiro, 22 de janeiro de
2013
Ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Vila Isabel,
Recebemos com enorme alegria a
notícia de que o samba da Vila Isabel do ano de 2013 terá como tema a
agricultura e os agricultores, no enredo “A Vila canta o Brasil celeiro do
mundo – água no feijão que chegou mais um…”.
Este tema é bastante caro a nós
que lutamos por uma agricultura sem venenos e que possa produzir alimentos
saudáveis para toda a população. Entendemos a agricultura feita pelas famílias
camponesas e de pequenos agricultores como atividade fundamental para a
sociedade, pois é ela quem coloca na mesa de nós, brasileiras e brasileiros, o
alimento do qual dependemos para sobreviver.
Neste sentido, o enredo composto
por Rosa Magalhães, Alex Varela e Martinho da Vila consegue traduzir de forma
bastante poética e bonita o dia-a-dia de milhões de famílias camponesas e de
pequenas de agricultoras e agricultores, que apesar de todos os problemas,
ainda “agradecem a deus por ver o dia raiar e pegam a viola, parceira de fé,
caminho da roça para semear o grão e saciar a fome com a plantação.”
A letra da música reflete de
forma impecável a beleza da agricultura camponesa e familiar brasileira.
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, ela é responsável por 70% do
alimento que chega à mesa dos brasileiros, mesmo ocupando apenas 25% das áreas
agricultáveis. Mesmo recebendo apenas 14% do crédito dado pelo governo à
produção agrícola, a agricultura familiar emprega 9 vezes mais pessoas por área
e ainda é responsável por um terço das exportações agropecuárias do país.
O outro modelo de produção
agrícola, vigente hoje no Brasil, tem recebido o nome de agronegócio. Este
modelo, que abocanha 86% do crédito, 75% das terras, mas produz apenas 30% dos
alimentos que compõem a alimentação da população e emprega somente 1,5
trabalhadores a cada 100 hectares, tem causado enormes prejuízos ao Brasil.
Ao focar sua produção na soja,
eucalipto e cana-de-açúcar, o agronegócio brasileiro tem contribuído para o
aumento dos preços dos alimentos, especulação e, consequentemente, para a fome
no mundo – haja vista que quase um bilhão de pessoas no mundo passa fome. Essa
produção, voltada quase que exclusivamente para exportação, usa o solo, a água
e trabalho dos brasileiros para exportar mercadorias agrícolas sem nenhum valor
agregado para o exterior.
Entretanto, este ainda não é o
pior problema. Graças ao agronegócio brasileiro, dito moderno, desde 2008
nos tornamos os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Esta enorme
quantidade de veneno jogada em nossas lavouras tem causado contaminações nos
rios, na chuva, no solo e até no leite materno. Os danos à saúde vão desde
dores de cabeça e enjoos até depressão, podendo levar ao suicídio, e diversos
tipos de câncer, incluindo de cérebro, pulmão, próstata e linfoma, como pode
ser comprovado pelos três dossiês publicados em 2012 pela Associação Brasileira
de Saúde Coletiva (ABRASCO).
Diante deste quadro, causou-nos
espanto e tristeza saber que este enredo está sendo financiado pela empresa
alemã BASF. A estrutura de poder que permite que o agronegócio brasileiro continue
envenenando o país está sustentada por dois pilares: a bancada ruralista no
Congresso Nacional, composta por deputados e senadores donos de vastas
fazendas, que legislam a seu favor, e as empresas produtoras de agrotóxicos,
sementes transgênicas e outros insumos agrícolas. Dentre estas, umas das mais
importantes é exatamente a BASF.
A história de destruição causada
por esta empresa não é recente. Já em 1921, uma explosão em sua fábrica na
Alemanha causou a morte de 561 pessoas. Durante a Segunda Guerra mundial, a
BASF foi uma das fabricantes do gáz Zyklon B, utilizado nas câmaras de gás
nazistas para matar milhões de prisioneiros do regime. Entre eles, nossa
querida Olga Benário, que inclusive utilizou a Zona Norte do Rio como
esconderijo da ditadura Vargas.
No Brasil, a empresa provocou,
em 2001, um vazamento de 11 mil litros de Mollescal, um corrosivo destinado ao
curtimento de couro. Depois do acidente, a BASF forneceu informações falsas ao
serviço de emergência sobre o grau de toxidade da substância, colocando em
risco os profissionais envolvidos no atendimento à população. Em 2000, a
empresa adquiriu uma fábrica de agrotóxicos da Shell em Paulínia, sabendo que
havia mais de 1000 trabalhadores intoxicados e 180 famílias que tiveram que
deixar o local, pois o solo e a água estavam contaminados. A BASF continuou por
dois anos a fabricação de Aldrin, substância reconhecidamente cancerígena.
Em 2010, a BASF foi a terceira
maior vendedora de agrotóxicos no Brasil, lucrando 916 milhões de dólares com a
doença dos brasileiros e brasileiras. E não são só os agricultores que sofrem
com os venenos: segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA,
quase dois terços do alimentos que chegam à nossa mesa contêm resíduos de
agrotóxicos, sendo que um terço foi classificado como irregular pela Agência.
Diante disso, gostaríamos
respeitosamente de repudiar a atitude da Escola de samba Vila Isabel em aceitar
dinheiro advindo do veneno, da doença e do câncer de famílias camponesas e de
agricultoras e agricultores brasileiros. Uma Escola que já nos presenteou com
belos sambas falando de um mundo melhor não deveria se submeter ao interesse
vil desta multinacional.
Além disso, denunciamos que a
Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio brasileiro para promover sua
imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho escravo, pelo desmatamento, pela
contaminação das águas do país e por tantos outros problemas. O agronegócio,
que não pinga uma “gota de suor na enxada”, nem “partilha, nem protege e muito
menos abençoa a terra”, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da
agricultura familiar, retratada no samba enredo de 2013, para continuar
lucrando às custas do envenenamento do povo brasileiro.
O velho sonho de alimentar o
mundo e do bem viver será concretizado somente quando camponesas e camponeses
do mundo inteiro tiverem terra para produzir alimentos saudáveis, adequados à
cultura local, sem uso de agrotóxicos nem de sementes transgênicas, e,
sobretudo, sem precisar se subordinar às grandes multinacionais do agronegócio.
A agricultura camponesa é a única que pode produzir alimentos saudáveis, para o
Brasil e para o mundo, de forma sustentável, e é a única forma de atingir nosso
tão almejado “bem viver”.
Certos de que a Escola é
solidária a essas questões, reafirmamos nossa posição e nos colocamos à
disposição para quaisquer esclarecimentos.
Saudações,
Organizações que participam da Campanha e assinam esta carta:
Movimentos Sociais e Redes: Via
Campesina, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MPA – Movimento dos
Pequenos Agricultores, MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MMC
– Movimento das Mulheres Camponesas, MPP – Movimento dos Pescadores e
Pescadoras Artesanais, CIMI – Conselho Indigenista Missionário, PJR – Pastoral
da Juventude Rural, CPT – Comissão Pastoral da Terra, RADV – Rede de Alerta
Contra o Deserto Verde, RECID – Rede de Educação Cidadã, ANA – Articulação
Nacional de Agroecologia, PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular, FBSSAN
– Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar, Rede de Educadores do
Vale do São Francisco, FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Consulta
Popular, Levante Popular da Juventude.
Universidades e Instituições de Pesquisa
Nacional: ABRASCO – Associação
Brasileira de Saúde Coletiva, FIOCRUZ – Fundação Osvaldo Cruz, INCA – Instituto
Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva.
Regional: UNIVASF – Universidade
Federal do Vale do São Francisco, Núcleo Tramas – UFC (CE), Soltec/UFRJ –
Núcleo de Solidariedade Técnica (RJ), Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS), EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário (BA).
Movimento Sindical
Nacional: CONTAG, CUT, CREA,
SENGE, SEPE, SINTAGRO, SINTRAF, SINPAF, Conselho Federal de Nutricionistas
(CFN).
Regional: Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais – FETAMG (MG), Sindicato
dos Comerciantes de Petrolina (PE), STR de Petrolina (PE), Associação dos
Engenheiros Agrônomos da Bahia – AEABA (BA), Sindicatos dos Engenheiros – Senge
(RJ), Sindicato dos Petroleiros – Sindipetro (RJ).
Entidades, ONGs, Assessorias, Associações
Nacional: Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor – IDEC, Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional – FASE, Agricultura Familiar e Agroecologia – AS-PTA, Fundação Rosa
Luxemburgo.
Regional: Políticas Alternativas
para o Cone Sul – PACS (RJ), Visão Mundial, Associação Advogados de
Trabalhadores Rurais – AATR (BA), Centro de Estudos e Ação Social – CEAS (BA),
Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais – SASOP (BA), Centro de
Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul – CEPEDES (BA),
Associação das Rendeiras de José e Maria, Grupo de Agroecologia de Umbuzeiro –
GAU,Terra de Direitos, GIAS – MT, Instituto Kairós, Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos, FORMAD, Radio AgênciaNP, Semeadores Urbanos, CAA – Centro de
Agricultura Alternativa do Norte de Minas.
Movimento Estudantil
Nacional: FEAB, ABEEF, ENEN,
ENEBIO, DENEM.
Regional: DA de Agronomia da
UNEB, DA de Agronomia da UNIVASF, GEAARA, DCE – UNIVASF, DPQ? (RJ).
Legislativo
Mandato do Deputado Estadual
Simão Pedro (SP), Mandato do Deputado Federal Padre João (MG), Mandato do
Deputado Estadual Marcelo Freixo (RJ).
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