30 dezembro 2013

Bioma Pampa: um Presente com que Futuro?


Bioma Pampa com extração de carvão em Candiota-RS 
(foto:Cia Riograndense de Mineração)

O documento a seguir é resultado de um processo de cobrança de parte da sociedade para com os governos no que se refere à realização do seminário ocorrido no dia 10 de dezembro de 2013, no Auditório da Faculdade de Economia da UFRGS, no Painel "Bioma Pampa, Presente e Futuro: o que temos a apresentar aos gaúchos?"

O objetivo do encontro foi avaliar a situação atual do bioma e as perspectivas quanto às 
políticas públicas voltadas tanto ao Pampa como aos Campos Sulinos, no 
Rio Grande do Sul. 

Estiveram presentes nas apresentações do painel o Professor Dr. Valério De Pata Pillar (Departamento de Ecologia da UFRGS); o Biólogo, Dr. Luís Fernando Perelló, Secretário Adjunto da SEMA-RS, representando o Governo do Estado; e o Biólogo, MSc. João Soccal Seyffarth, pelo Ministério de Meio Ambiente.



Bioma Pampa: ocupa 63% do RS, ocupa posição marginal nas políticas de meio ambiente.  (foto: FZB)


O Pampa é um bioma oficial (IBGE, 2004) compartilhado entre Brasil 
(RS), Argentina e Uruguai, que ocupa 63% do território estadual 
(176.496 km²), o que corresponde a 2,07% da superfície do Brasil. 
Atualmente, o bioma Pampa mantém-se, como outros, numa posição 
marginal nas políticas de meio ambiente. As informações disponíveis 
apontam para um quadro altamente preocupante com relação à conservação 
da biodiversidade e à sustentabilidade socioambiental no Estado, 
tanto na Metade Sul ou mesmo no Planalto (bioma Mata Atlântica).

Os dados mais recentes sobre a área de remanescentes do Pampa provêm 
de 2008. Ou seja, há cinco anos não se sabe sobre a sua situação real. 
As estimativas da cobertura restante, até 2002, correspondiam à 
existência de 41,32% de remanescentes do bioma, sendo que o resultado 
mais atual (2008), apontava a presença de apenas 36,03% de cobertura 
com vegetação nativa (CSR/IBAMA, 2010). Assim, o Pampa possuía, até 
aquele ano, um pouco mais de 1/3 de sua área coberta por campos 
nativos e outros tipos de vegetação natural, enquadrando-se como o 
segundo bioma mais devastado do País, depois da Mata Atlântica.


Perda da biodiversidade para silvicultura e lavouras empresariais com muito agrotóxicos:
Silvicultura na BR-290 próximo a Caçapava. (foto: Ingá) 
A perda acelerada de biodiversidade também acontece nos Campos de Cima 
da Serra, onde predominam formações campestres pertencentes ao Bioma 
Mata Atlântica, principalmente em decorrência do avanço desenfreado 
da silvicultura e das imensas lavouras empresariais de batata e de 
outras hortaliças, que se utilizam de alta carga de agrotóxicos. É 
importante destacar que estes plantios comprometem campos virgens 
(nunca lavrados) no Planalto das Araucárias, onde ocorrem 
originalmente mais de 1.100 de espécies de plantas nativas. Estas 
lavouras destroem áreas úmidas das cabeceiras dos rios das principais 
bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul (bacia do rio Uruguai e 
bacia do rio Guaíba), liberando elevada carga de CO2, e depreciam uma 
paisagem única da região, com enorme riqueza em atributos turísticos. 
Por outro lado, tanto o órgão ambiental do Estado como o Ibama não 
dispõem até agora de estrutura necessária para a fiscalização, o 
licenciamento e a prevenção quanto a este processo que destrói 
milhares de hectares de campos nativos por ano. Por exemplo, várias 
empresas expandem sem limites suas lavouras ou ainda mantêm milhares 
de hectares de plantios de pinus em imensas áreas e sem o devido 
licenciamento ambiental.


Pássaro do Pampa. (foto: FZB)

Compromissos internacionais até 2020:
Somente as áreas de monoculturas arbóreas, tanto no bioma Pampa como 
nos Campos de Altitude (Planalto) devem superar mais de 800 mil 
hectares, ou seja, ultrapassam em muitas vezes a superfície das áreas 
protegidas do Estado, que, mesmo precariamente, não passam de 2,6% do 
território estadual. Cabe lembrar que os compromissos internacionais 
assinados pelo Brasil indicam que se alcance até 2020 a proteção de 
17% da superfície de cada bioma, constituídos por unidades de 
conservação.

Política de proteção ambiental não é avaliada com aliada do crescimento econômico:  
Verificou-se que as poucas iniciativas ambientais para os campos do RS 
somente tenham surgido de alguns anos para cá demandadas, em geral, 
por iniciativas de técnicos dos órgãos de meio ambiente, acadêmicos e 
ambientalistas. Por outro lado, a preocupação da cúpula dos governos, 
ao contrário, segue de forma hegemônica na busca do crescimento 
econômico, a qualquer custo, com base em atividades que realimentam a 
tendência de aprofundamento da situação, com destaque à exportação de 
commodities (grãos, pasta de celulose, minérios, etc.). Tudo isso 
pressionado pelas federações empresariais da agricultura e pelo setor 
ruralista, que logrou o afrouxamento do Código Florestal Federal, em 
2012.

Faltam recursos orçamentários:
Em definitivo, percebe-se que os governos, em geral, não buscam prover 
recursos orçamentários necessários para a efetiva política de 
proteção e promoção ambiental dos biomas brasileiros, e, ademais, 
impõem constantes cortes e contingenciamentos nos escassos recursos 
disponíveis. A "solução" dada é deixar que os projetos dos órgãos 
ambientais sobrevivam basicamente com recursos internacionais e/ou 
compensações decorrentes de projetos degradadores. A falta de vontade 
política do centro dos governos também se refletiu, até recentemente, 
na escassa articulação para a proteção ambiental do bioma, entre as 
esferas federal, estadual e municipal.

"Boom" do incremento à celulose:
Até poucos anos atrás, com o "boom" do incremento à celulose, viu-se 
canalizar, como prioridade número um, muitas centenas de milhões de 
reais, de recursos advindos do Banco Nacional de Desenvolvimento 
Econômico e Social (BNDES) e outros bancos oficiais, para o 
atendimento do setor da silvicultura. Isso segue se aprofundando, 
agora, com o megaprojeto industrial da chilena CMPC Celulose, em 
Guaíba. Da mesma forma, verificava-se uma maior flexibilização da 
legislação e tentativas de não implantação, de fato, do Zoneamento 
Ambiental da Silvicultura (ZAS), instrumento técnico fundamental para 
dar limites às monoculturas arbóreas.

Ciclo vicioso no financiamento privado de campanhas eleitorais:
Para fechar o ciclo vicioso, as grandes empresas de celulose, com 
capital muitas vezes estrangeiro, investem muitos milhões de reais no 
financiamento privado de campanhas eleitorais para políticos em 
regiões de seu interesse e nos principais partidos brasileiros. E 
estes setores também investem elevados recursos na propaganda 
indiscriminada dos supostos benefícios de uma atividade concentradora 
que, na realidade, representa um maior empobrecimento da matriz 
produtiva do Estado.

Temática ambiental é vista como entrave aos projetos:
Apesar da existência de algumas iniciativas de proteção à 
biodiversidade do Pampa, principalmente devido a iniciativas de parte 
do corpo técnico de carreira dos órgãos ambientais, estas são vistas 
de forma marginal pelo centro dos governos. Essas políticas carecem, 
portanto, de conexão com o planejamento das atividades econômicas. 
Ganham corpo os projetos governamentais, e dos grandes setores 
econômicos a eles aliados, na lógica da mundialização econômica, 
perversamente competitiva. Promovem-se atividades de atração de 
investimentos vultosos do governo federal ou de capitais externos em 
projetos megalomaníacos (megabarragens, megaindústrias de celulose, 
megamineração de carvão com suas megatérmicas poluentes). E, mais uma 
vez, os benefícios ficam centrados em grandes corporações econômicas 
que estão acostumadas a manter o processo degradatório que assegura 
seus lucros imediatos. Nisso, a temática ambiental é vista, em geral, 
como entrave aos seus objetivos.


Barragem de Taquarembó. RS (foto: Site Os Verdes)
Construção de megabarragens de irrigação:
No ápice desta insustentabilidade, ganha destaque a construção de 
megabarragens de irrigação para a expansão da fronteira agrícola dos 
mesmos tipos de monoculturas  de tolerância zero com a biodiversidade 
- que se espraiam pelo Rio Grande do Sul. Neste sentido, no coração 
do Pampa, o tema refere-se principalmente às barragens de Jaguari e 
Taquarembó, obras do PAC, que correspondem a investimentos públicos de 
algumas centenas de milhões de reais. Os dois empreendimentos 
tiveram como resultado imediato a destruição de mais de 1,2 mil 
hectares das poucas matas ciliares remanescentes dos rios da região. 
As obras foram interrompidas até alguns meses atrás, por apresentarem 
várias irregularidades, denunciadas pelo Ministério Público e Polícia 
Federal (Operação Solidária), principalmente no tocante a problemas 
no licenciamento ambiental e a denúncias de fraude nas licitações e 
tráfico de influência. Seus supostos benefícios não justificam o 
gigantismo e os volumosos recursos gastos e centralizados para 
irrigação de algumas dezenas de grandes propriedades que investem em 
monoculturas que envenenam o ambiente e a saúde do homem do campo. 
Infelizmente, este modelo de investimentos "deu certo" e segue dando 
vez a outros grandes empreendimentos que estão terminando com muitas 
das últimas matas em galeria na região.

Termelétricas a carvão mineral:
Como se isso não bastasse, na mesma linha da insustentabilidade, 
verifica-se a retomada de megaempreendimentos poluentes representados 
por grandes termelétricas a carvão mineral, principalmente no 
município de Candiota. Isso ocorre, justamente, num momento em que os 
relatórios mundiais apontam para a maior certeza com relação ao papel 
dos gases de efeito estufa nas mudanças climáticas e na acidificação e 
crescente morte dos oceanos (ácido carbônico). E surgem quando 
outros países investem massivamente nas energias alternativas (solar 
e eólica), com custos decrescentes. A Alemanha, por exemplo, já 
investiu em energia solar o equivalente à geração elétrica de uma 
Itaipu e meia, apesar de seu território apresentar insolação em menos 
da metade do que a média do Brasil.

Incentivo governamental e financiamento público negam a crise socioambiental no Planeta:
Lamentavelmente, a hegemonia dos grandes projetos econômicos 
degradantes somente se torna possível graças ao amplo incentivo 
governamental, principalmente, através de financiamento com recursos 
público (centenas de milhões ou bilhões de reais), provenientes em sua 
maioria do BNDES, e com apoio de políticos que teimam em negar a 
grave crise socioambiental sistêmica sobre o Planeta.

Reconhecemos as iniciativas importantes:
Após a apresentação das iniciativas dos representantes do governo da 
SEMA e MMA, reconhecemos anúncios importantes como: a Criação da 
Reserva da Biosfera do Bioma Pampa; o RS Biodiversidade; a atualização 
da lista das espécies ameaçadas do RS (SEMA) e do Brasil (MMA); 
alguns incentivos ao projeto Pastizales; o aperfeiçoamento das áreas 
prioritárias para a conservação da biodiversidade no Pampa; a 
realização de concursos públicos para técnicos da área ambiental do 
Estado.

Entretanto, é praticamente inverossímil admitir-se coerência entre 
algumas políticas setoriais meritórias, mas que são profundamente 
contraditórias com as demais áreas governamentais, que prezam pela 
lógica do crescimento econômico, em esgotamento crescente, e que vem 
gerando concentração, dependência e acentuadas perdas ambientais e de 
culturas locais.


Chamado à sociedade gaúcha e brasileira:
Apesar disso, os promotores do evento do dia 10/12, e em homenagem ao 
dia 17/12, Dia do Bioma Pampa, conclamam a sociedade gaúcha e 
brasileira no sentido de cobrar o conjunto de políticas públicas 
necessárias a este e aos demais biomas, com destaque aos seguintes 
temas:

a) Revisão das grandes obras de irrigação do PAC no Pampa e discussão 
democrática do tema dos grandes empreendimentos impactantes no Brasil 
com a sociedade;

b) Consolidação e efetivação do Mapa das Áreas Prioritárias para a 
Conservação da Biodiversidade (Portaria MMA n. 09 de 23 de janeiro de 
2007);

c) Realização imediata e implementação do Zoneamento Econômico 
Ecológico (ZEE/RS);

d) Manutenção da Faixa de Fronteira que assegure a soberania quanto 
aos investimentos estrangeiros sobre nosso território, com limite às 
grandes propriedades e distribuição de terras a quem mais precisa e 
pode desenvolver a pecuária familiar e outras atividades compatíveis 
com o bioma;

e) Implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), por parte do Estado, 
sem interferência do setor econômico ruralista, considerando a 
necessidade de Reserva Legal na proteção à área de vegetação nativa 
(20%) das propriedades;

f) Criação da Reserva da Biosfera do Bioma Pampa (Unesco) e inclusão 
do Pampa como patrimônio reconhecido pela Constituição Federal;

g) Criação de Unidades de Conservação no Pampa, e que permitam o 
manejo através da pecuária, em especial a pecuária familiar;

h) Reestruturação dos órgãos ambientais com fortalecimento do 
orçamento anual que reflete em melhores condições de trabalho e 
recursos humanos através de concurso público;

i) Inversão da lógica atual de financiamento, como o abandono de 
atividades altamente degradadoras, como as monoculturas e os 
megaempreendimentos (ligados ao carvão mineral, celulose, barragens, 
etc.) e apoio às atividades que historicamente conviveram de forma 
sustentável com os campos nativos, como no caso da pecuária familiar;

j) Atualização anual e monitoramento da cobertura da vegetação natural 
remanescente do bioma Pampa.

Porto Alegre, 17 de dezembro de 2013.

Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente

Projeto Construindo Consciência Crítica - Inst. Biociências - UFRGS

AGAPAN

Um comentário:

Milton Cruz disse...

As entidades e órgãos ambientais devem inserir em sua pauta de reivindicações e de chamamento à sociedade a proposta de um novo modelo de financiamento de campanha, público e transparente, pois os grandes grupos econômicos vem financiando seus candidatos em todas as esferas de governo.