Carta da APEDEMA
Em face da proposta de expansão do aproveitamento energético do carvão mineral do Estado, em discussão na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, a APEDeMA/RS - Assembléia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente do RS vem a público manifestar sua posição.
O uso de carvão como fonte energética corresponde a uma tecnologia obsoleta, anti-econômica, profundamente danosa à saúde humana e ao meio ambiente, além de contribuir significativamente para piorar a crise climática atual, devido ao aquecimento global, conforme argumentos apresentados a seguir.
ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS E ECONÔMICAS
As jazidas de carvão (28 bilhões/ton.) não são as maiores fontes potenciais de energia no Estado. A energia eólica e a energia solar são fontes muito mais abundantes, mais sustentáveis e viáveis do ponto de vista ecológico, e, por conseguinte, econômico. Mesmo na atual situação de um modelo de sociedade de consumo hegemônica, baseada em um padrão profundamente desigual e pouco racional de uso de energia, não faltam fontes alternativas, descentralizadas e de baixo impacto, para a eliminação dos combustíveis fósseis.
O uso da energia solar radiante que chega à Terra atinge a astronômica cifra de 15 trilhões GW/ano, enquanto a demanda energética mundial anual, mesmo questionável, é da ordem de 1,5 Bilhões GW/ano. Em 2010, foram instalados no mundo 15 GW de energia solar, [1]o equivalente a 1/5 da demanda de energia elétrica no Brasil. O pesquisador Dr. Enio B. Pereira (INPE) [2] afirma que o potencial de energia solar fotovoltaica equivalente à área do lago da desastrosa hidrelétrica Balbina (AM) supriria todas as necessidades do Brasil. O Dr. Sérgio Colle (UFSC) [3] diz que “o recurso solar é um recurso naturalmente democrático”, e afirma que, por exemplo, os coletores solares domésticos para aquecedores se pagam em dois anos, enquanto os custos praticados para o aquecimento a gás levam mais tempo para pagar.
Já o potencial de geração de energia eólica pode atingir 300 GW[4] no País. Em 2010, a geração de energia elétrica mundial, através da energia eólica foi de 158 gigawatts (GW) [5], o suficiente para abastecer as necessidades básicas de dois países como o Brasil. Dados do Ministério de Minas e Energia (2010) informam que a energia eólica tem o menor preço que a termoelétrica movida a carvão fóssil: R$132 megawatt/hora contra R$160,00 megawatt/hora, respectivamente. [6] No Rio Grande do Sul existe em operação, projetadas e em obras uma dezena de Parques de energia eólica, , que produzirão 660 MW até 2013. Só na fabricação de aerogeradores existem cinco empresas no Brasil, que geram milhares de empregos.
Existem, também, fontes utilizadas de forma ainda incipiente, mas com grande potencial, que correspondem à biomassa obtida de fontes mais sustentáveis - desde que não a das monoculturas - como o biogás, a partir de resíduos orgânicos urbanos e rurais, cascas de arroz, resíduos de produtos agrícolas, etc.
A energia dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e seus derivados) bem como a das hidrelétricas, que emitem metano (que contribui no efeito estufa) e representam enormes impactos socioambientais, não tem mais viabilidade e, portanto, justificativas plausíveis para seu uso. [7] Na Alemanha , as usinas a carvão não são permitidas, nos E.U.A, há 2 anos não ocorre a inauguração de novas usinas a carvão; os investidores particulares preferem fontes mais limpas e econômicas[8]
DANOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE
A composição química do carvão mineral do Sul do Brasil pode ser considerada uma verdadeira enciclopédia de venenos. O mais prejudicial é o vapor de mercúrio metálico emitido na sua combustão. São lançados na atmosfera 300 g de vapor metálico de mercúrio para cada tonelada de carvão gaúcho queimado, ou seja, 0,3% do seu peso pode ser representado pelo mercúrio (Prof. Flávio Lewgoy, comunicação pessoal). Como está na forma gasosa, a tecnologia em uso no Brasil, atualmente, é incapaz de reduzir estas emissões. Esta concentração é seis vezes superior aquela encontrada no carvão mineral dos Estados Unidos, onde são liberados à atmosfera, em média 44 gramas por cada toneladas queimada.
Os processos biológicos modificam a maior parte do mercúrio depositado para metil-mercúrio, uma potente neurotoxina que humanos e outros organismos terrestres e aquáticos absorvem de pronto, a exemplo do desastre de Minamata, ocorrido no Japão em 1956. Este metal pesado se acumula nas cadeias alimentares dos ecossistemas, chegando a concentrar centenas de vezes mais nos peixes, de consumo humano.
O material particulado, originado da combustão do carvão fóssil, pode causar danos ao sistema respiratório. Pesquisas recentes comprovam que seu efeito tóxico pode atravessar os pulmões e invadir a corrente sanguínea, conduzindo a doenças cardíacas, enfartes e mortes prematuras.
Em 2004, constatou-se 25.100 mortes anuais nos EUA atribuídas à poluição aérea[9] proveniente de suas 600 termoelétricas a carvão mineral. [10] Os que morrem prematuramente, devido à exposição mais intensa ao material particulado, perdem, em média, 14 anos de suas vidas. A queima do carvão responde, também, por outras conseqüências[11] [12]como 554.000 ataques asmáticos, 16.200 casos de bronquite crônica e 38.000 enfartes não fatais, anualmente. A poluição atmosférica dessas usinas térmicas responde por uma estimativa adicional nos custos da área de Saúde, naquele país, de mais de 160 bilhões de dólares anuais.
Outras emissões atmosféricas resultantes da queima do carvão mineral incluem metais pesados como vanádio, cádmio, arsênio e chumbo, além de SO2 - dióxido sulfúrico, CO2 - dióxido de carbono, materiais particulados e NOx - óxidos de nitrogênio, os quais resultam em ozônio ao nível da superfície. O SO2 e o ozônio são gases altamente corrosivos que causam falências respiratórias e contribuem para baixa de peso dos nascituros e no aumento da mortalidade infantil. Os gases SO2 e NOx estão também relacionados às causas primárias da chuva ácida. O CO2 é o gás dominante responsável pelo efeito estufa, que está elevando as temperaturas da atmosfera global a 0,8ºC e acidificando os oceanos em intensidades nunca vistas.
Durante a queima do carvão mineral, a combinação de cloro e de núcleos aromáticos pré-existentes propicia a liberação de dioxinas e de outros compostos organoclorados, altamente carcinogênicos.
A atual mineração de carvão exerce grande impacto ambiental, destruindo parte da biodiversidade dos campos nativos do bioma Pampa, poluindo o ar, a terra e a água.
Cabe destacar que, em fevereiro de 2011, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul recomendou a suspensão do funcionamento do Complexo Termelétrico de Candiota (RS) devido à constatação de índices de poluição muitas vezes acima dos limites de emissões permitidos pela legislação. [13] [14]
AGRAVAMENTO DA CRISE DO CLIMA
Uma forte objeção à continuidade da exploração do Carvão mineral, cerca de 900 bilhões de toneladas em nível mundial, é que tornaria impossível estabilizar o clima e evitar os impactos do desastre climático global na sociedade.
Este valor representaria um aumento ainda maior da concentração de CO2, que era de 250 ppm (concentração de partes por milhão) antes da era industrial, em 1750 para o atual de 392 ppm. Admite-se que só seria possível se estabilizar, relativamente, o clima dentro de uma faixa de segurança climática, abaixo de 350 ppm de CO2. [15]
O uso das reservas de carvão do RS, por si só, acrescentaria 7 ppm de concentração deste gás, já existente na atmosfera, o que contribuiria para agravar, ainda mais, a situação de emergência climática existente a nível planetário, e de grande magnitude e sofrimento a toda a humanidade.
O fracasso nos acordos internacionais, como o protocolo de Kyoto e das Conferências entre as partes da ONU (COPs), em não se conseguir um mínimo consenso razoável mundial na necessidade de reduções substanciais dos gases de efeito estufa, põe em um maior risco a situação. Não existe mais dúvida de que a elevação do nível dos mares, as chuvas e secas extremas estão trazendo mais mortes e uma diminuição drástica na produtividade agrícola. Se nada for feito, o cenário mais provável, apontado por especialistas, é que surja um contingente de centenas de milhões de refugiados climático-ambientais, nas próximas décadas.
A falta de ação nesta área e o aumento continuo das emissões antrópicas trará serias conseqüências a nossa sobrevivência. A começar pela liberação espontânea de clatratos de metano e CO2 do oceano e dos solos outrora permanentemente cobertos de gelo da Sibéria e da America do Norte fato que já está ocorrendo. O processo de degelo junto ao Ártico está causando uma reação em cadeia da liberação desses gases bem como o fim precoce da calota polar ártica no verão prevista inicialmente para 2080, mas com grande probabilidade de ocorrer entre os anos de 2013 a 2019.[16] [17] [18] [19] [20]
O QUE DEVE SER FEITO
Existem alternativas, mas estas devem ser tratadas também com a sociedade, de forma democrática. Deve-se superar a maneira superficial, tecnocrática e autoritária, levada a cabo por governantes e políticos desavisados ou que respondem a interesses econômicos imediatistas, como o do setor das indústrias eletrointensivas, de exportação de alumínio e ferro, que disponibilizam nossos recursos naturais para outros países transformarem em manufaturados, gerando mais renda lá fora do que no nosso próprio país .
Não existem mais motivos para a utilização do carvão mineral, um dos combustíveis mais sujos do século XIX, e, portanto, seu uso deve ser abandonado, com urgência.
Necessitamos de políticas públicas que reduzam a baixa eficiência e a perda excessiva de um sistema concentrado de produção e transmissão, promovendo-se fontes de energia renováveis e verdadeiramente sustentáveis, como a eólica, a solar, a biomassa (com vegetais em sistemas agroecológicos) e o biogás, a partir de resíduos orgânicos urbanos e rurais.
Necessitamos, acima de tudo, de energias que contemplem uma sociedade calcada no princípio da precaução e na inteligência, não o contrário, como vem sendo feito. Os atuais padrões energívoros são profundamente insustentáveis, pois alimentam um modelo de sociedade baseado na produção industrial concentrada e consumo ilimitado, num planeta com recursos naturais finitos.
As entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul, por intermédio da APEDEMA, exigem um debate amplo e uma revisão profunda na política energética do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil, vislumbrando o abandono do consumo de combustíveis fósseis Petróleo, Carvão e Gás mineral. uma transição necessária para modelos mais sustentáveis, como a energia eólica e solar e a biomassa, onde se abandonem as energias de alto impacto ambiental e alto risco à sociedade e à vida como um todo no Planeta.
Porto Alegre, 19 de julho de 2011.
Assembleia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente
(APEDeMA-RS)
[19] Schuur EAG, Vogel JG, Crummer KG, Lee H, Sickman JO, Osterkamp TE 2009. The effect of permafrost thaw on old carbon release and net carbon exchange from tundra. Nature 459: doi:10.1038/nature08031.
[20] Global warming could release trillions of pounds of carbon annually from East Siberia's vast frozen soils. American Geophysical Union (2008). ScienceDaily (12 June 2008). http://www.sciencedaily.com/ releases/2008/06/080611154839. htm
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