09 fevereiro 2012

Desenvolvimento predatório X Qualidade ambiental

Durante muito tempo Porto Alegre foi considerada a capital mais arborizada do Brasil. Esse fato tem uma raiz histórica que remete ao início dos anos 70, quando a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) protagonizou a primeira e importante luta ambiental contra as podas indiscriminadas em nossa cidade. Ao longo do tempo, com o avanço da conscientização ecológica, os cidadãos portoalegrenses passaram a conviver com a arborização urbana, internalizando-a ao seu modo de vida.
Quando as podas começaram a ser regulares e tecnicamente bem feitas, nossa cidade passou a ter flores o ano inteiro, promovendo um sadio ambiente nos diversos bairros o que contribuiu para embelezar a paisagem, proporcionar saúde mental aos seus habitantes e provocar a admiração de quem a visita.
Convém destacar que a luta pela preservação de árvores teve continuidade com o militante da AGAPAN, Carlos Dayrell, que em 1975 subiu em uma Tipuana, na avenida João Pessoa, em Porto Alegre, para impedir que a mesma fosse derrubada. Aquele ato protagonizado por Dayrell evitou também que outras árvores fossem cortadas. A prefeitura visava construir o Viaduto Imperatriz Leopoldina naquele local.
Salientamos que, com esse episódio, que alcançou repercussão nacional, o projeto foi modificado e as árvores lá estão preservadas até hoje.
A cidade de Porto Alegre pela sua vanguarda de pensamento ecológico, conseguiu que o poder público municipal criasse a primeira Secretaria Municipal do Meio Ambiente do Brasil, o que é um orgulho para todos nós.
Com o crescimento da cidade, em 1988, o "Projeto Praia do Guaíba" mobilizou, mais uma vez, a militância da AGAPAN. Restou emblemático o fato ocorrido da Chaminé da Usina do Gasômetro, que foi escalada para alertar os munícipes acerca da ocupação por espigões naquele local da Orla do Guaíba.
Se hoje temos uma extensa faixa de orla livre de edificações, isso tem muito a ver com o corajoso e determinado ato daqueles ambientalistas, agregado à vontade da cidadania local.
O apoio da Entidade às comunidades envolvidas com relação a cortes indevidos de árvores nas ruas de nossa cidade, por projetos mal dimensionados, ocorreu também com o caso do Conduto Forçado da Álvaro Chaves. Os moradores da Rua Marquês do Pombal, em parceria com o Movimento Porto Alegre Vive e a AGAPAN, organizaram várias manifestações para sensibilizar o prefeito a alterar o traçado do referido projeto, que simplesmente retiraria todas as árvores daquela rua.
A participação intensa da comunidade, associada aos seus apoiadores, saiu vencedora, e o traçado do Conduto Álvaro Chaves foi modificado. O Túnel Verde da Marquês do Pombal continua enfeitando aquela região, e os problemas de alagamento foram sanados.
Na luta pela preservação da rua Gonçalo de Carvalho, hoje conhecida internacionalmente como a “ Rua Mais Bonita do Mundo”, a AGAPAN também se fez presente. Nossa Entidade apoiou os moradores da Gonçalo, juntamente com as associações de bairro de Porto Alegre e as demais Entidades que simpatizavam com a causa.
Com relação a reavaliação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (PDDUA), a AGAPAN coordenou o Fórum de Entidades criado pela Câmara de Vereadores. Mais uma vez ficou demonstrada a preocupação da AGAPAN com o futuro da cidade.
Mais recentemente, o “Projeto Pontal do Estaleiro” mobilizou nossa Entidade no sentido de assegurar, através de uma votação histórica, que a Orla do Guaíba permanecesse sem prédios residenciais.
Citamos aqui algumas das lutas históricas em que a AGAPAN, ao longo dos seus 40 anos, esteve envolvida em parceria com as comunidades, reafirmando que a união destas forças fez e faz a diferença.
Apesar de tantos exemplos positivos de participação cidadã com relação ao cuidado com a qualidade de vida da capital dos gaúchos, nos causa estranheza que a prefeitura não tenha promovido um diálogo efetivo e respeitoso com os moradores da rua Anita Garibaldi e de seu entorno.
Atualmente, quando a pauta mundial está focada na luta pela preservação das ambiências nas cidades, nos parece que tal matéria deveria ser objeto de um debate mais aprofundado, que leve em consideração a história, a cultura, o lazer e a preservação ambiental da população envolvida.
Não podemos admitir que Porto Alegre tenha sua paisagem desconfigurada e retroceda na sua luta ambiental.
Ressaltamos que a interface com a população, especialmente a infantil, necessita estreitar laços com o ambiente natural que a cerca. A derrubada de tantas árvores certamente contribuirá para uma visão de “ambiente descartável”, onde esse ser humano, em formação, não irá solidificar valores éticos e estéticos, de modo a se sentir acolhido, e com uma visão de pertencimento no espaço social onde está inserido.
A falta de arborização gera as ilhas de calor, com sensação térmica como a da última sexta-feira, dia 03/02/2012, que chegou a 46ºC na capital gaúcha. Tal fato sinaliza que a cidade como um todo necessita, cada vez mais, de cobertura arbórea urbana, para não contribuir com os efeitos da crise climática que já está acontecendo.
As 60 árvores que o poder público quer retirar, em nome de um evento pontual, enraizadas ao longo de décadas, criaram um microclima já estabilizado, e que de há muito tempo, contribuem para diminuir os alagamentos, permitem a vida da avifauna e embelezam ainda mais aquela região de nossa cidade.

Será esta mais uma destrutiva herança que a Copa de 2014 pretende legar para nossa querida Porto Alegre?


Sandra Ribeiro
Vice-presidente da AGAPAN

Um comentário:

Paulo Renato disse...

Belíssimo post, Sandra. Além da denúncia em si, fizeste um preciso histórico de algumas das lutas da gloriosa AGAPAN - lembraste até a travessura do Gert Schink (que anda aprontando em Floripa) subindo na chaminé da Usina, eh eh!
Também recheaste o texto com importantes informações técnicas, trazendo mais utilidade ainda às informações. Parabéns e vamos a luta!