“Para manter esta orgia de crescimento econômico e exportação, aprovam um Código que autoriza aumentar a área plantada”, declara o ambientalista.
Confira a entrevista.
A aprovação do Código Florestal no Senado na noite de terça-feira representa “perdas para uma lei que é essencial para a manutenção da saúde econômica do país”, avalia Francisco Milanez, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Aprovada por 59 votos a favor e sete contra, a reforma do Código Florestal não considerou os efeitos das mudanças climáticas no meio ambiente. De acordo com ele, “nesta conjuntura, o Brasil deveria estar aumentando as suas proteções às florestas. Estamos vendo o Brasil andando contra a corrente e reduzindo as suas proteções naturais, as proteções de nascentes, das matas ciliares”.
Na avaliação do ambientalista, as alterações na legislação causarão impactos ambientais e agrícolas. “O assoreamento provocado pelas chuvas e enchentes vai arrancar as plantações. Hoje os rios estão cada vez mais rasos por causa da agricultura, e agora, cada vez que tiver uma chuva menos intensa, teremos perda de safra e lavoura. Teremos seca, porque as nascentes serão destruídas, diminuirá a
retenção de umidade no ar que é fruto da evapotranspiração, pois este processo é fortemente produzido pelas florestas”, esclarece.
Para Milanez, a medida parlamentar, que propõe restauração de áreas degradas em vez do pagamento de multas, será ineficiente. Ele explica: “Os desmatadores serão anistiados e vão fingir que estão recuperando as áreas degradadas. Vão plantar culturas exóticas e dizer que isso é recuperação florestal. Desde quando eucalipto é recuperador da natureza?”
Francisco Milanez é educador ambiental, arquiteto, biólogo e membro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan e da Fundação para o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado – Ecofund.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a aprovação do novo texto do Código Florestal no Senado?
Francisco Milanez – A aprovação deste texto é uma tristeza porque estamos diante de uma crise mundial acelerada. A mudança climática é uma realidade, está começando causar prejuízos profundos para o planeta, e até os conservadores já não negam a desorganização climática e a aceleração com que ela está acontecendo. Nesta conjuntura, o Brasil deveria estar aumentando as suas proteções às florestas. Estamos vendo o Brasil andando contra a corrente e reduzindo as suas proteções naturais, as proteções de nascentes, das matas ciliares.
IHU On-Line – Quais são, em sua avaliação, os principais equívocos e acertos do novo texto? O que mudou em relação à proposta inicial de Aldo Rebelo?
Francisco Milanez – O texto melhorou, mas a base é a mesma. Nenhum país no mundo poderá ser chamado de sério quando pratica crimes e depois utiliza o poder econômico para descriminalizá-los. Uma sociedade que decide que determinado comportamento deve ser considerado um crime e depois modifica a lei para autorizar este crime dá péssimos exemplos para as futuras gerações.
Implicações ambientais
Com a aprovação deste texto, em poucos anos não haverá mais água para a agricultura e a produção agrícola não irá sobreviver às secas e enchentes frequentes. O assoreamento provocado pela agricultura provocará enchentes e irá destruir as plantações. Hoje os rios estão cada vez mais rasos por causa da agricultura, e agora, cada vez que tiver uma chuva menos intensa, teremos perda de safra e lavoura. Teremos seca, porque as nascentes serão destruídas, aumentará a retenção de umidade no ar que faz toda a evapotranspiração, pois este processo é fortemente controlado pelas florestas. A Amazônia, por exemplo, controla as chuvas no Sul e na América toda através do sistema de controle térmico e de umidade. O que dizer desta seca terrível em Porto Alegre?
Os parlamentares utilizaram do seu poder de forma troglodita para andar contra a história. Com a aprovação deste texto, os centros urbanos sofrerão em função da comida mais cara, enquanto que os políticos continuarão escravizados pelas empresas que eles obedecem de cabeça baixa. A agricultura é controlada por esquemas internacionais e esses “vassalos”, ao mudarem a lei, estão prejudicando a própria produção.
O que aconteceu é uma loucura, é difícil falar sobre isto. Desculpe a minha aparente agressividade, mas eu ainda tenho emoções. É muito difícil entender um país camicase. Como um Congresso Nacional aprova um código como este? Quem votou a favor ou é um boçal, ou é corrupto. Uma pessoa com dois neurônios funcionais não pode dizer que este Código será bom para a agricultura. Falam que para alimentar o mundo temos que aumentar a área plantada. Isso é uma estupidez. Mas por que não falam mais de produtividade, como falavam anos atrás? Porque a tecnologia da revolução verde, juntamente com a transgenia, tem diminuído a produtividade. Então, para manter esta orgia de crescimento econômico e exportação, aprovam um Código que autoriza aumentar a área plantada.
Estamos desqualificando a alimentação, utilizando mais agrotóxicos. A própria Organização Mundial de Saúde – OMS aumentou a tolerância para agrotóxicos em seres humanos, e agora os agrotóxicos “passaram a fazer menos mal”, porque aceitamos mais agrotóxico na comida, e, obviamente, os transgênicos são feitos para isso. Tudo é uma piada. Estamos piorando a nossa alimentação, diminuindo a produtividade e destruindo mais florestas e contaminando a água, que ainda são as únicas coisas saudáveis que temos para compensar tanta destruição. Nós vamos ficar sem água. O Rio Grande do Sul é talvez a segunda região mais rica em água no Brasil e duas bacias hidrográficas já estão sem água: a do Santa Maria e a do litoral norte.
IHU On-Line – A decisão de anistiar as multas, caso os proprietários de terras recuperem as áreas, é uma decisão ambígua?
Francisco Milanez – Não acredito nesta medida. Os desmatadores serão anistiados e vão fingir que estão recuperando as áreas degradadas. Vão plantar culturas exóticas e dizer que isso é recuperação florestal. Desde quando eucalipto é recuperador da natureza?
Eu sempre fui favorável a medidas que não prejudicassem os produtores; mas, para isso, é preciso dialogar com eles. Nossa finalidade não é punir ninguém, mas proteger a natureza. A ideia de as pessoas recuperarem as áreas florestais, em lugar de pagarem multas, não é ruim. Mas não é preciso criar uma lei. A autoridade administrativa tem que ter o poder de intimar as pessoas a recuperarem as áreas degradadas. Quando há a necessidade de criar uma lei para recuperar tais áreas, com certeza existe alguma “coisa mal explicada” por trás.
IHU On-Line – Então o senhor concorda que o novo texto deixa brechas para intensificar o desmatamento?
Francisco Milanez – Caso aprovado, o novo Código Florestal irá aumentar, autorizar e regularizar o desmatamento. Essa é uma lei da produção agrícola e não tem nada a ver com o Código Florestal.
Se o momento que vivemos hoje é de crise por causa da falta de florestas, por falta de água, deveríamos criar uma lei mais exigente que garantisse a produção de mais reservas legais, ou, na pior das hipóteses, manter as reservas que já temos, em vez de diminuí-las. O Brasil está desrespeitando todos os tratados internacionais de biodiversidade, mudanças climáticas, que o país assinou. Isso é estelionato. Não tem outro nome.
IHU On-Line – Entre as propostas do novo texto está a de que os proprietários de terras de 20 a 400 hectares não precisem recuperar a reserva legal. Quais as implicações dessa medida e da não proteção de reservas legais?
Francisco Milanez – Essa medida é a legalização do crime. Além de os desmatadores não terem de pagar a multa, não precisarão recuperar as áreas desmatadas ou preservar as reservas legais.
Recentemente, um parlamentar disse que o Brasil não tinha dinheiro para recuperar as áreas degradadas, porque isso custaria o dobro do Produto Interno Bruto – PIB. Isso é ridículo. Recuperar áreas degradadas é a coisa mais barata que existe. Além disto não é o governo que tem que recuperar as áreas e sim quem degradou. 80% das propriedades do país têm de 20 a 400 hectares. Portanto, esse é o percentual de proprietários é quase todos os agricultores.
Poderia haver um conselho que, em raríssimas exceções, autoriza-se a produção em áreas que deveriam ser preservadas. Têm milhares de propriedades que, ambientalmente, não estão em condições de produzir e agora os proprietários querem desmatá-las para investir em produção. Mudar a lei depois que os crimes foram feitos é uma loucura. Por que determinaram de 20 a 400 hectares? É uma decisão estúpida.
IHU On-Line – O Código Florestal vigente deveria ser alterado?
Francisco Milanez – Toda lei pode melhorar, mas, antes, ela precisa ser cumprida. O Código Florestal vigente não é cumprido. As mudanças propostas no novo Código não têm uma explicação séria. Da mesma maneira que não existe uma explicação séria para um país se ajoelhar diante de seis multinacionais e aceitar o patenteamento da vida, como aceitamos há alguns anos atrás, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É por isso que hoje o Brasil paga um monte de royalties a troco de nada por causa da soja que a Embrapa “fez o favor” de cruzar com a soja RR patenteada. Isso não tem explicação. Existe muita corrupção, falsos cientistas e muita sujeira a ser levantada por trás dessas instituições de interesse, que cada vez mais governam o mundo.
IHU On-Line – Qual sua expectativa em relação à decisão da presidente Dilma?
Francisco Milanez – Eu quero ver se a presidente tem palavra. Acreditei quando ela disse que vetaria o texto caso ele fosse aprovado. Estou apostando que ela irá cumprir o que disse.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Francisco Milanez – Uma questão importante é que não existe nenhuma lei superior ao Código Florestal em termos de preservar a qualidade de vida e a produção agrícola. Daqui a cinco anos, quero ser crucificado ou ver os congressistas que aprovaram essa lei crucificados. Quero que a população não esqueça o nome desses congressistas que aprovaram o texto do Código Florestal, que a carreira política deles acabe ou que eu seja difamado por ter dito o óbvio. Alguém tem que ser responsabilizado neste país caso esse Código seja aprovado. Não é possível que tenhamos de pagar mais tarde por essa decisão irresponsável. Os congressistas que votaram favoravelmente ao texto devem ser responsabilizados pela destruição agrícola, pela fome, pela desgraça dos agricultores. É triste acabar um ano assim. Vejo perdas para uma lei que é essencial para a manutenção da saúde econômica do país.
Fonte: IHU On-Line
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