04 março 2016

Agapan e moradores de Guaíba questionam reunião do MP/RS com a CMPC

Foto: Arquivo Agapan | Incêndio na CMPC em janeiro de 2016
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) publicou em sua página da internet notícia sobre a reunião que o promotor Daniel Martini, Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, e o promotor de Justiça de Guaíba, Valter Priebe, realizaram no dia 25 de fevereiro com diretores da empresa CMPC - Celulose Riograndense. 

"Por que não chamaram a Agapan ou representantes dos moradores?", questionou um morador do bairro Alegria, o mais impactado pelas emissões irregulares da fábrica. “Acho que vai virar pizza”, desabafou, demonstrando poucas esperanças de ter uma solução real e definitiva para o problema que enfrenta já há vários anos. 


Moradores relatam, também, que os acessos ao inquérito que tramita no MP/RS e ao promotor de Guaíba estão mais difíceis desde que a promotora Ana Luiza Domingues foi substituída pelo promotor Valter Priebe, que, segundo eles, mantém estreito relacionamento com o diretor-presidente da fábrica de celulose, Walter Lídio Nunes. Essa relação apontada por moradores serve de motivo para a desconfiança que existe sobre a isenção do Ministério Público para investigar o caso.

A Agapan também considera que a reunião do MP/RS com apenas uma das partes do conflito (CMPC) não reflete a transparência necessária, que a questão merece. Nem a presença do prefeito Henrique Tavares, que recebeu dinheiro da CMPC para a sua companha eleitoral, representa o lado mais fraco dessa disputa. 

O conselheiro e advogado da Agapan Eduardo Finardi Rodrigues ressalta que, no entanto, a iniciativa do promotor Daniel Martini de se dirigir até o local do conflito para conhecer a situação de perto é positiva.

“Viemos com o intuito de prestar um apoio e trazer a percepção no sentido de que a ocorrência tem uma grande relevância ao MP”, disse o promotor, conforme publicado na nota, que pode ser conferida aqui.

A publicação também indica que o promotor Valter Priebe afirma que "o MP busca esclarecimentos para dar 'convicção' à comunidade de que as providências estão sendo tomadas”. Sobre esse ponto, a Agapan questiona se não seria o caso de buscar esclarecimentos para dar "explicações" (e não convicção, inicialmente) às comunidades da região metropolitana e de todo o RS, que também podem sofrer com os impactos causados pela fábrica e suas gigantescas lavouras de eucaliptos por todo o estado. 

A “convicção” apontada pelo promotor é um ideal que poderia ser muito bem atribuído a dirigentes da empresa que têm dado várias explicações para os moradores, mas sem convencê-los de que a situação esteja tranquila. 

Rodrigues enfatiza que o Ministério Público é representante da sociedade, e que assim não está sendo visto pela comunidade do entorno - cerca de 400 famílias - uma vez que, desde a primeira reunião com o MP, em 19 de junho de 2015, nada mudou na situação levada ao conhecimento do órgão. "Talvez tenha até piorado”, reflete.

Uma moradora do bairro Alegria diagnosticada com um quadro de depressão grave, conforme laudo psiquiátrico, afirma que a causa é a situação imposta pelas operações da empresa CMPC. Uma família já se mudou do município, indo morar em Capão da Canoa, por causa dos ruídos. Todos preferem não se identificar, com medo das represálias e insultos que, segundo eles, alguns já sofreram. Outro grupo questiona o motivo de o picador, uma das máquinas que produz mais ruídos na CMPC, não ter sido construído no subterrâneo, conforme indicado por uma planta da fábrica que eles apresentam (foto). A empresa diz estar tomando providências sobre e questão dos ruídos, mas não se compromete em colocar o picador no subsolo.

"Com relação ao odor, os técnicos informaram que as substâncias liberadas não representam qualquer risco para a saúde", diz a nota. O mesmo poderiam dizer as raposas para as galinhas, no portão do galinheiro: "- Nossa presença aqui não representa perigo para vocês". No entanto, provas não são apresentadas e, pior ainda, tampouco são exigidas pelo poder público. A falta de transparência é muito grande quando se trata dessa empresa doadora de campanhas políticas e patrocinadora da imprensa.


Por conta própria, morador tenta fabricar sensor de poluentes

Fotos: Arquivo pessoal
Frente às dificuldades encontradas para obter da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) as informações sobre as emissões de poluentes da fábrica em determinados horários, um morador está desenvolvendo um aparelho para fazer as medições da qualidade do ar com o objetivo de provar algumas das irregularidades da empresa, que são negadas pelos dirigentes. “Essa atitude é um exemplo flagrante do desespero dos moradores frente a uma inércia, e talvez conivência, do poder público, que não encara a questão de forma transparente”, diz a conselheira da Agapan Edi Fonseca, que acompanha o caso da papeleira de Guaíba há vários anos pela entidade ambientalista. 

O item 5.9 da Licença de Operação 04671 emitida em 2015 impõe que "as atividades exercidas pelo empreendimento deverão ser conduzidas de forma a não emitir substâncias odoríferas na atmosfera em quantidades que possam ser perceptíveis fora dos limites de sua propriedade". Essa obrigação não vem sendo cumprida, segundo os relatos.

No âmbito relacionado aos riscos ambientais, a Agapan também questiona o motivo pelo qual o MP/RS não se mobiliza para investigar os impactos que os milhares de eucaliptos plantados nas terras gaúchas têm sobre o bioma Pampa e sobre o aquífero Guarani. “Quantos milhões de litros de água os eucaliptos plantados no RS já consumiram? E a planta de Guaíba, quanta água consome anualmente para produzir celulose?” 

Outras questões, também relacionadas aos aspectos ambientais, continuam ficando de fora da pauta do Estado e, inclusive, dos veículos de imprensa. Por exemplo:

Existe algum estudo que aponte o nível de impactos causados pelas lavouras de eucaliptos no RS (solo, aquífero, fauna, moradores da área rural, cultura)?

O enorme consumo de água para produzir celulose/papel pode interferir no abastecimento de água para a população da região metropolitana?

A produção e uso de Cloro, substância que tem o índice de risco dez vezes mais alto do que o índice máximo da Fepam, apresenta risco para as águas do Guaíba e aos moradores do bairro Alegria, entre outros?

A dioxinas, substâncias carcinogênicas e mutagênicas, estão afetando a a fauna e flora local? Quem é o responsável por fiscalizar? Estão fiscalizando?

E ainda, do ponto de vista econômico:

Quanto a CMPC devolve aos cofres públicos? Essa resposta pode ser divulgada ou fica escondida pelo benefício do sigilo fiscal?

Cabe ressaltar que, devido ao grande risco e impactos que a fábrica representa, termos de ajustamento de condutas (TACs) não servem, de forma efetiva, para a solução dos problemas apresentados pelos moradores e os riscos já denunciados há vários anos pela Agapan.

Por questão de bom senso e experiência, a entidade ambientalista acredita não ser necessário que desastres como o de Mariana, por exemplo, aconteçam aqui para que, só então, atitudes concretas sejam tomadas. Resta que o poder público também compreenda a gravidade da situação e não fique apenas contando as migalhas que, talvez, possam ingressar na receita do Estado.

Da imprensa também se espera uma postura mais ativa e responsável sobre essa importante questão para os gaúchos. Até quando vão se calar?


Heverton Lacerda/Imprensa Agapan



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