17 dezembro 2008

AGAPAN solicita ao prefeito que priorize estudos de planejamento para todos os 72 kms de Orla do Guaíba

Porto Alegre, 11 de dezembro de 2008.

Excelentíssimo Prefeito:

A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, AGAPAN, juntando suavoz a um clamor de indignação popular contra o Projeto de Lei Complementar 006/2008,aprovado pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre a 12 de novembro do corrente ano,após o seu encaminhamento indevido e perverso em regime de urgência, tem a honra de sedirigir a Vossa Excelência para manifestar seu total apoio ao VETO do referido projeto.

Respaldamos este apoio em nome da AGAPAN e do consenso de mais de 10.000 (dez mil) eleitores porto-alegrenses politizados, responsáveis e participativos que, até o presente,estão subscrevendo e se manifestando nos abaixo-assinados eletrônico e convencional da AGAPAN. Contamos também com a adesão de lideranças e nomes significativos e representativos de meios profissionais, jornalísticos, artísticos e intelectuais de PortoAlegre, de outras cidades gaúchas, de fora do nosso Estado e do País.

Justificamos a presente manifestação de apoio como expressão consensual dos sentimentos de repúdio, indignação e de indigência política, diante do encaminhamento absolutamente totalitário, obscurantista e vil, ilegítimo e ilegal, contra a cidade e contra acidadania, dado ao referido projeto pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre. É um escândalo o legislativo municipal ter aprovado um projeto com repercussões definitivas para o patrimônio paisagístico de Porto Alegre, ignorando completamente o arcabouço legal existente (Constituição Federal, Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, CódigoEstadual do Meio Ambiente, Código Florestal, Leis Orgânicas Municipais, Plano Diretorde Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, o Estatuto das Cidades, etc.),como se o regime de urgência facultasse ao legislativo municipal ficar acima da Lei e da ordem democrática. No entanto consideramos que submeter apenas o Projeto de Lei Complementar 006/2008 a um referendo popular é um encaminhamento político problemático que legitima e dá continuidade ao processo perverso de descaracterização progressiva do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbanos e Ambiental que a Câmara deVereadores de Porto Alegre vem efetivando sistematicamente ao longo dos últimos vinteanos.

Portanto, achamos indispensável partilhar com Vossa Excelência algumas considerações que fundamentam nosso apoio ao seu VETO e contextualizam de maneira mais ampla nossas preocupações com o referendo popular e com a indigência política dosencaminhamentos que as composições majoritárias da Câmara de Vereadores têm dado àgestão de nossa cidade.

Os antecedentes que tem pautado a atuação do legislativomunicipal nos fazem temer pela destinação futura, não apenas do trecho da Orlacompreendido entre a Usina do Gasômetro, Beira Rio, Pontal do Melo, etc., mas ao longodos seus 72 quilômetros de extensão no município de Porto Alegre.Sabemos que a Orla do Guaíba entre a Usina do Gasômetro e o Beira-Rio,patrimônio paisagístico e locacional mais valioso de Porto Alegre, é a menina dos olhos daespeculação imobiliária.

Também sabemos da existência de projetos arquitetônicosmilionários apostando na inclusão de novos regimes urbanísticos para apropriação privadadeste patrimônio público de valor incomensurável para a paisagem, a ecologia urbana euma verdadeira qualidade de vida da presente e das futuras gerações de Porto Alegre. Masalém desta parte da Orla, temos a maior parte da zona sul, caracterizada pela ausência deedifícios e sendo, potencialmente, um mercado futuro a ser explorado pela especulaçãoimobiliária. Neste contexto preocupa-nos o histórico de atuação da Câmara de Vereadoresde Porto Alegre nos últimos vinte anos, efetivando um uso perverso da sua soberania afavor dos interesses da especulação imobiliária.O maior exemplo desta perversidade foi a aprovação, em regime de urgência, do PROJETO PRAIA DO GUAÍBA pela Câmara de Vereadores a 18 de agosto de 1988,desgravando a Orla desde as imediações da Usina do Gasômetro até as imediações doEstádio do Internacional.

O PPG, encaminhado com diversas irregularidades administrativas e legais, foi aprovado à revelia de 64 entidades da sociedade civilorganizada que debateram o projeto durante dois anos.

Outro exemplo gritante de atrelamento aos interesses da especulação imobiliária foio encaminhamento dado pelo legislativo municipal ao Projeto de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural de Porto Alegre, de autoria do então vereador e ecologista Caio Lustosa, ex-vice-presidente da AGAPAN. Este projeto ocupou o gabinete do vereador durante dois anos e foi considerando uma obra-prima na história do legislativo municipal. Arrolava 101 itens para preservação, entre prédios, praças, árvores e áreas deimportância arquitetônica, cultural e natural em Porto Alegre. Mas a preservação dos itens arrolados imporia alguns limites intoleráveis para a construção civil e os interesses daespeculação imobiliária. Conseqüentemente os vereadores vetaram 80 itens e aprovarampor unanimidade os restantes 21 (11/12/1987).

O prefeito municipal a 18/01/1988 não teve estes pruridos e vetou na íntegra o que restou do projeto mutilado. Graças a estes dois feitos, os vereadores e o prefeito municipal de então receberam o PRÊMIO ÁTILA, concedido anualmente pelo Instituto Argentino de Investigaciones de História de la Arquictetura Nacional y Americana “aos que maiores danos causam aopatrimônio natural e arquitetônico dos americanos.” (Revista DANA – Documento deArquitectura Nacional y Americana, número 26, outubro de 1988). Na mesma época oecologista José Lutzenberger, fundador e presidente de honra da AGAPAN, recebeu naSuécia o Prêmio Nobel Alternativo, o Right Livelihood Award. Os prêmios Átila e NobelAlternativo colocaram Porto Alegre na condição paradoxal de ter o que existe de melhor ede pior do mundo em ecologia. (Vide anexo 1)

A pergunta que se impõe é: se o PROJETO PRAIA DO GUAÍBA foi aprovado,quais as razões para a Orla não ter sido “revitalizada” pela arquitetura comercial de gostoduvidoso, proposta há vinte anos atrás pelo mesmo arquiteto do Pontal do Estaleiro ? Aresposta é que o fim da ditadura militar com o ciclo da Constituição Federal, daConstituição Estadual e das Leis Orgânicas Municipais tornou sem validade o PPG.

Em 1990 a Constituinte Municipal mobilizou a sociedade civil para a elaboração das LeisOrgânicas Municipais. A participação da sociedade civil, traumatizada pela então recenteaprovação do PROJETO PRAIA DO GUAÍBA à revelia de todos, assegurou avanços substanciais na legislação municipal.

O papel propositivo da Câmara de Vereadores de Porto Alegre na criação das leis municipais foi mínimo, primando por acomodar e reduziro alcance da legislação que a sociedade civil encaminhou em função dos interessesimobiliários e da construção civil. Não tendo conseguido sucesso total, desde então, olegislativo municipal tem pautado a sua atuação pela descaracterização progressiva eparcial do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre,promovendo o retrocesso das conquistas legais obtidas pelas forças vivas da coletividadena Constituinte Municipal de 1990. A avaliação deste retrocesso faz com que, para algunsespecialistas, atualmente o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de desenvolvimento urbano e ambiental só tenha o nome. As mudanças legislativas puntuais que o PDDUA vem sofrendo fizeram com que ele perdesse quase que completamente o seu caráter de instrumento técnico-normativo, fundamentado no saber científico.

Hoje os interesses da construção civil e da especulação imobiliária dominam completamente até oGrupo Gestor do PDDUA. Neste colegiado atualmente nem ao menos uma instituiçãotradicional como o Instituto dos Arquitetos do Brasil, secção do Rio Grande do Sul, oIAB/RS, tem assento. Naquele ambiente os representantes da sociedade civilfrequentemente são tratados como intrusos, tendo seus questionamentos recebidos comhostilidade e descaso. Neste contexto histórico de assédio progressivo e crescente daespeculação imobiliária, a aprovação da lei complementar 006/2008 pela Câmara de dia 12 de novembro último, é apenas mais uma decisão que dá continuidadeà política de retrocesso do PDDUA e de perda da sua função disciplinadora e normativa nagestão pública da cidade.

Esta é também uma das razões para considerarmos problemáticaa realização de um referendo popular, legitimando a política perversa através da qual olegislativo municipal vem preparando paulatinamente a copacabanização da Orla à reveliadas lideranças da sociedade civil.Na atual conjuntura consideramos que, diante da ausência histórica de propostasdos executivos municipais, o equacionamento político, técnico e urbanístico da gestão daOrla do Guaíba tem sido determinado pelos encaminhamentos ilegítimos e perversos dadospor um legislativo municipal submetido aos interesses da especulação imobiliária. Décadasde abandono da Orla pelas sucessivas administrações municipais são uma politica deomissão a serviço destes interesses.

Somos favoráveis à revitalização da Orla através deintervenções qualificadas e competentes do executivo municipal, em princípioincompatíveis com os interesses da especulação imobiliária na privatização daquele espaçopúblico. Jaime Lerner afirmou recentemente na nossa cidade que, se entregassem a ele a Orla do Guaíba, ele faria de Porto Alegre a cidade mais turística da América do Sul. No entanto caso continue a atual conjunção política de um legislativo perversamente ativo, deum executivo omisso, somados a um judiciário conivente com o status quo, podemosesperar por encaminhamentos políticos que destruição as potencialidades excepcionais quea Orla do Guaíba oferece e que a coletividade porto-alegrense merece.

O fato é que há um gritante descompasso histórico entre o nível de conscientizaçãoecológica e a cultura política institucional da nossa cidade. Porto Alegre não merece aCâmara de Vereadores que tem. Não podemos aceitar a destruição irreversível dopatrimônio urbano, ambiental e paisagístico atualmente em curso, realizada através dodescumprimento da legislação existente, do abuso do regime de urgência e da anulação dosmecanismos institucionais democráticos que promovem transparência e racionalidade aofuncionamento do poder legislativo. A gestão e a destinação da parte central e dos 72quilômetros da Orla do Guaíba, ou seja, de toda a Orla, deve ser priorizada pela administração municipal como objeto permanente de estudo, planejamento, atenção ecuidado. É indispensável um processo constante e amplo de deliberação e discussãoenvolvendo as forças vivas da sociedade porto-alegrense e o corpo técnico da Prefeitura,integrando a vocação ecológica da Orla, as aspirações populares e o que existe de maisavançado no mundo em termos de concepções urbanísticas e de gestão urbana. Isto é o mínimo que se pode exigir e esperar em termos de políticas públicas de uma cidadecivilizada com o nível cultural de Porto Alegre.

Nós, ecologistas da AGAPAN, nos orgulhamos da nossa contribuição para amodernidade política da nossa cidade. Se hoje Porto Alegre é conhecida no mundo inteiropelo seu pioneirismo ecológico, tendo sediado quatro vezes o FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, esta condição deve-se a diversos fatores, entre os quais destacam-se aantiguidade e a ressonância da questão ambiental na coletividade porto-alegrense.

Nós, ecologistas, somos radicalmente democratas. Consideramos que semdemocracia não há ecologia. Mas não existe democracia sem a autonomia dos três poderes.A Orla do Guaíba é uma oportunidade desafiante para a administração de VossaExcelência deixar para sempre um marco glorioso no destino e na história de Porto Alegre.A autonomia do poder executivo municipal tem condições para compensar a indigênciapolítica de um poder legislativo que tem atuado de maneira retrógrada, perversa,autoritária e sem legitimidade. O lema “PENSAR GLOBALMENTE E AGIRLOCALMENTE” sintetiza o paradigma político do movimento ecológico como e enquantomatriz de um novo projeto de civilização.

O pioneirismo de Porto Alegre na formação domovimento ecológico, fato que levou nossa cidade a ser considerada a “Capital da Ecologia”, criou no nosso imaginário local uma identidade cultural que hoje constitui aconcepção e as aspirações políticas da nossa coletividade. A gestão da Orla do Guaíba como o patrimônio público mais valioso da nossa cidade faz parte da paisagem espiritual constitutiva da nossa identidade política. As decisões éticas, políticas e científicas queexpressem uma visão de modernidade e de autonomia do executivo na gestão ecológica daOrla terão uma profunda ressonância democrática não apenas na cidadania porto-alegrense mas de todo o mundo. As iniciativas de Vossa Excelência que se contraponhamao anacronismo e à indigência política em que atualmente o legislativo municipal noscoloca serão dignificadas por uma legitimidade, uma beleza e uma racionalidadeexemplares. Pois a atual indigência política que nos afeta localmente tem uma dimensãoglobal. A crise ecológica afeta a toda a civilização. Nesta época de globalização, muito maisdo que há vinte anos atrás, quando recebemos o PRÊMIO ÁTILA, Porto Alegre é umareferência ecológica e uma esperança política aos olhos de todo o mundo.

O perfil peculiar da sua personalidade foi decisivo para Porto Alegre elegê-lo e r elegê-lo Prefeito Municipal. Vossa Excelência integra a capacidade política de homempúblico, a capacidade intelectual de professor e a sensibilidade de um artista que tematizou nossa cidade na sua obra poético-musical. O papel deste último aspecto não tem sido suficientemente dimensionado na sua carreira política. Diante destas qualificações, VossaExcelência tem um perfil excepcional para, já no início do seu novo governo, priorizar aOrla do Guaíba como uma plataforma política destinada a marcar época, consolidando para sempre a fisionomia paisagística e a vocação de modernidade ecológica da nossa identidade cultural. Sabemos que esta é a tarefa não apenas obra de um político, mas de um estadista. Entretanto asseguramos que Vossa Excelência não estará sozinho neste desafio: a coletividade porto-alegrense, gaúcha, brasileira e todos os cidadãos do mundo estarão ao seu lado nesta caminhada. Arnaldo Jabor escreveu recentemente que, se alguma coisa de novo acontecer na política brasileira, certamente virá de Porto Alegre. A Orla do Guaíba, a ecologia política de Porto Alegre e a consagração representada por um novo mandato na Prefeitura Municipal de Porto Alegre se configuram como uma conjunção fatores promissores.
A atuação conjunta destes fatores possibilita Vossa Excelência a desempenhar um papel decisivo na criação desta novidade que é a democracia entre nós e a superação da nossa atual indigência política.Portanto, para finalizar, reiteramos nosso apoio ao VETO, nossas preocupações e restrições em relação ao referendo popular e nossa confiança que Vossa Excelência saberál evar em conta a visão da AGAPAN para um encaminhamento político da Orla do Guaíba à altura do que Porto Alegre está a merecer.

Atenciosamente,

Edi Xavier Fonseca
Presidenta


Um comentário:

Anônimo disse...

Oquei. Entendi. O que não ficou claro para mim é qual é a proposta
da Agapan para o Guaíba. Da forma como o documento encontra-se redigido, não fica claro o que se
espera da municipalidade.