26 setembro 2019

Mortandade de abelhas: o cenário é apocalíptico

“Temos que nos unir. A guerra é dura, mas não podemos perder a esperança”. Com esse sentimento, o Agapan Debate sobre a mortandade das abelhas encerrou na última segunda-feira (16/09), defendendo o acesso à informação e o engajamento, especialmente dos jovens. “De tudo que é mais importante, e que foi apresentado aqui, estão os jovens, que devem valorizar e defender a vida e a preservação das abelhas, possível com a Agroecologia, a verdadeira biotecnologia”, afirmou o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez. O Agapan Debate aconteceu no auditório da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs, com a presença de mais de 80 pessoas. Mediado pela conselheira da Agapan e farmacêutica Ana Maria DaitVallsAtz, participaram do debate os engenheiros agrônomos Nadilson Roberto Ferreira (foto acima) e Sebastião Pinheiro.

Com o tema “Abelhas e polinização: do ser ao não ser”, Ferreira, doutor em Polinização pela Ufrgs e ex-coordenador da Câmara Setorial das Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), onde é servidor, observa que 90% das polinizações no mundo ocorrem pelas abelhas e os 10% restantes, pelo vento, pela água e através de outros animais. “Nas culturas agrícolas, as abelhas respondem por 70% da polinização, garantindo a segurança alimentar das populações e renda para os produtores”. Ele destaca o valor movimentado pelo mel no mercado mundial. Em 2007, foi comercializado U$ 1,5 bi, sendo que o serviço ecológico da polinização no mundo foi estimado, naquele ano, em U$ 212 bi. Deste valor, U$ 148 bi estão relacionados à polinização pelas abelhas. “Infelizmente, o agronegócio não dá a devida importância a essa cadeia”, lamenta Ferreira, ao destacar que em 2018 no Brasil somente a polinização garantiu a circulação de U$ 11,35 bi. As abelhas são responsáveis por 66% dessas polinizações.

No RS é difícil estratificar essa produção. Enquanto há apenas uma espécie exótica, a Apis, 324 espécies de abelhas nativas estão catalogadas, sendo 24 destas, sociais e as outras 300, solitárias. “Muito pouco ou quase nada se sabe dessas abelhas e o cenário é apocalíptico”, exclama Ferreira, ao citar, entre as causas da mortandade, a ocorrência de doenças e pragas, como o ácaro (varroa destructor), a destruição do favo pela falta de manejo, as mudanças climáticas, a destruição de ambientes naturais provocada por desmatamento e queimadas, os monocultivos e o uso indiscriminado de agrotóxicos.

Sobre esse uso indiscriminado de agrotóxicos, muitos inclusive proibidos em outros países, o Governo Federal liberou, somente em 2019 (até o dia 17/09), 325 agrotóxicos. Desses agrotóxicos, classificados como altamente tóxicos, Ferreira cita os neonicotinóides, presentes em 75% dos méis do mundo. Destes, o que registra maior ocorrência é o inseticida Imidacloprid (Bayer), confirmada em 57% dos méis da América do Sul.

“As abelhas nativas são as mais sensíveis a esses venenos e reagem com excitação, tremores, convulsões e morte”, ilustra o pesquisador, que cita o Fipronil (Fenilpirozol), inseticida repelente que atinge o sistema nervoso das espécies e provoca convulsão e morte de abelhas e é encontrado em remédios contra carrapatos e pulgas de cães e para controlar insetos foliares e do solo, entre outros produtos que o contém.

Ferreira ressalta que “a natureza oferece remédios naturais para o que a pesquisa busca. Não é preciso criar nada que pretenda imitar uma espécie que já vive há mais de 70 milhões de anos em nosso Planeta, como é o caso das abelhas”. Ele questiona a falta de respeito e de valor à vida e suas espécies.


INTERESSES

Considerado infestante, especialmente nas lavouras de arroz, onde ocorre em frequência, beneficiado pela umidade do solo, o quitoco foi ovacionado por Sebastião Pinheiro por ser uma planta que gera um mel muito apreciado e com alto valor de mercado. Em sua palestra com o tema “Cuidem-se: nitrosoanima não é nitrosamina. O fogo volta a arder”, o engenheiro agrônomo, professor, escritor e pesquisador chama a atenção para ameaças que rondam a sociedade, a partir da liberação de diversos agrotóxicos.

Ao apresentar a Montanha Kailash, local de origem de várias religiões, como Budismo e Hinduísmo, Pinheiro falou sobre a relação entre inseto, pedra, universo, energia e vida. Para os povos antigos, “as abelhas são as lágrimas do Sol, o deus Rá”, comparou.

Sobre a mortandade de abelhas que ocorre em vários países, incluindo o Brasil e especialmente no RS, Pinheiro apresentou estudos que comprovam o interesse “maquiavélico”/mercadológico de multinacionais em potencializar esses efeitos e dizimar essas espécies, beneficiando a indústria química de alimentos com a produção, por exemplo, da nitrosamina, um veneno tóxico encontrado no leite materno, e do Fiproril, 27 mil vezes mais tóxico que o anterior. Pinheiro também citou a nicotina, um veneno extremamente perigoso, por sua rápida ação, considerada igualmente uma arma binária étnica e racial, pois atua de forma diferente sobre as raças. “Que interesse está por trás disso?”, questiona.

Ironizando a “casualidade” do RS ser o maior produtor de arroz orgânico no mundo e essas regiões estarem ameaçadas pela instalação de uma gigantesca mina de carvão, Pinheiro critica a contaminação desse importante alimento por arsênico, provindo da mineração de carvão. “Precisamos preservar o que é nosso”, exclama, ao analisar/avaliar ter percorrido, em sua fala, assuntos desde a energia da vida, passando pela liberação, pelo governo brasileiro, de agrotóxicos extremamente tóxicos, até chegar à ameaça que ronda a produção orgânica de arroz em assentamentos da reforma agrária na região Metropolitana de Porto Alegre com o carvão.

“Tudo está interligado. Precisamos nos unir com informação. Catalisar forças para o bem-comum”, defenderam os palestrantes.

Por Adriane Bertoglio Rodrigues

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