23 agosto 2012

23 de Agosto: Três anos da vitória do Não à contrução de condominio privado na orla do Guaíba.


 
Há três anos ocorria uma consulta popular em Porto Alegre para decidirmos se queríamos ou não a construção de um condomínio residencial privado chamado Pontal do Estaleiro na beira do Guaíba, na área de marinha ocupada pelo antigo Estaleiro Só.

A campanha pelo "Não" foi tocada pela união de inúmeras associações de bairros, sindicatos e entidades ecológicas da cidade, que conseguiram se comunicar com o povo e alcançar a vitória com 18 mil votos versus 4 mil votos a favor da construção.

Abaixo, um texto do Flávio Tavares que explica o porquê votar no "Não" e a importância de cuidarmos para que a Orla do Guaíba seja de todos.

Não no Só,

por Flávio Tavares*
*Jornalista e escritor


 
Comparecer à consulta popular deste domingo em Porto Alegre é mais importante do que eleger senador, deputado, vereador ou toda a gentalha que nos faz de mortalha. Diferente de quando nos obrigam a escolhê-los, o voto, neste caso, não é obrigatório. Por isso, ir às urnas agora torna-se ato voluntário para dizer “não” à desastrosa orgia que quer transformar a Capital numa sucessão de caixotes verticais de cimento e tijolos, em que a visão do rio desaparece ou se torna privilégio de poucos.

Se o rio é um bem de todos (até daqueles que o chamam de “lago”), por que amuralhar o Guaíba com prédios e prédios no pontal que cresceu como aterro sobre as águas?

Sim, pois o pontal do Cristal era uma raquítica nesga de terra que adentrava o rio apenas alguns metros. Aterrada com entulho e pedra, expandiu-se para dar lugar ao Estaleiro Só, que – de fato – estava sobre o leito do rio. Em sua origem, é área do Estado concedida em aforamento. Quando o estaleiro faliu, a área foi vendida para pagamento de dívidas. Devia ter voltado ao domínio do Estado para ser gramada e arborizada, já que é uma APP, “área de proteção permanente” contígua ao rio e protegida por lei federal.


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O “chique”, porém, é que as leis existam para serem ultrajadas – não para serem cumpridas – e chegamos ao absurdo de os vereadores decidirem que ali haveria uma minicidade. Em exíguos 60 mil metros quadrados se construiriam dois edifícios comerciais de 12 andares – um, de lojas e escritórios; outro, um hotel com 90 apartamentos, além de prédios residenciais.

Por acaso, a capital gaúcha é uma Holanda, que precisou ganhar espaço ao mar por falta de terra firme? Ou nos sobra espaço para a expansão urbana?

Será por isso que, das galerias da Câmara Municipal, choveram moedas sobre os vereadores, na sessão em que 20 deles votaram a favor da minicidade, dois se abstiveram e 14 disseram “não”?
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Porto Alegre é demais! – reza uma das belas composições musicais do meu amigo José Fogaça, cantarolada com orgulho pelo Rio Grande inteiro. Mas o prefeito Fogaça não soube ou não quis (ou não pôde) articular a maioria de que dispõe entre os vereadores para dar ao pontal do Estaleiro Só uma solução que não fosse guiada pela hipocrisia.

Sim, pois que outra coisa será quando todos nós defendemos o rio com palavras mas, na prática, o escondemos, transformando o panorama das águas em beleza perceptível apenas a quem paga?

O Guaíba vem sendo ferido há dezenas de anos. Degradamos suas águas com fezes e detritos químicos, sem educar sobre o uso dos resíduos domésticos ou industriais. Os aterros encolheram o rio. O Centro Administrativo e os tribunais estão sobre o que era água, tal qual o estádio Beira-Rio e centenas de prédios residenciais, além do prolongamento da Avenida Borges de Medeiros. Os parques Marinha e Maurício Sirotsky, aterrados para serem pontos de convívio com a natureza, cada dia diminuem suas áreas verdes, perdidas para edificações de vários tipos e seus pátios de estacionamento.
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A consulta popular sobre o pontal do Estaleiro Só não é assunto exclusivo da Capital, mas interessa ao Estado e ao país. Aqueles 60 mil metros quadrados têm em si um simbolismo profundo. Que tipo de cidade queremos? Aquela em que nos integramos com a natureza e a vida do planeta como um todo, em que água e terra se entrelaçam com ar e pássaros? Ou a cidade dura, em que asfalto e cimento são reis e os edifícios verticais ocultam morros, limitam espaços ou nos fazem cegos para as águas do rio?

Não, não é essa a cidade que queremos.



Fonte: ZH Dominical, 23 de agosto de 2009

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