Agricultores que realizam manejo cuidadoso das lavouras vêm conseguindo evitar a presença do arroz vermelho, ou pelo menos mantê-la sob controle, abaixo dos níveis que comprometem a rentabilidade. Entretanto, como em toda atividade, estes agricultores mais zelosos, não são maioria. Ainda assim, adotam práticas reconhecidas por sua viabilidade técnica, cuja expressão tende a ser maior entre produtores que utilizam métodos e técnicas de base agroecológica, integrando o manejo da água a outras atividades poupadoras de insumos e intensivas em mão de obra.
Sendo medidas tecnicamente eficientes, poupadoras de insumos, e protetoras do ambiente, o que justificaria sua escassa difusão?
A resposta é simples: as atividades de base agroecológica são mais complexas do que as preconizadas por tecnologias apoiadas na utilização massiva de agrotóxicos. Altamente exigentes em termos de trabalho humano direto, bem como de atenção cotidiana à lavoura, as práticas de base agroecológica, ao mesmo tempo em que oferecem menores riscos para a saúde dos consumidores e do ambiente, impõem dificuldades expressivas para explorações de larga escala. Estas formas produtivas, de seu lado, atribuem pouco valor às chamadas externalidades sociais e ambientais, e dão preferência a pressupostos simplificadores que buscam homogeneizar as condições de trabalho na lavoura. Contrariando leis naturais, a adoção de pressupostos simplificadores acaba criando circuitos de necessidades que se retroalimentam, e que podem ser caracterizadas pela busca incessante de novas respostas para novos problemas, que por sua vez se impõem em sucessão aos problemas anteriores.
Trata-se de uma conseqüência lógica do embate entre uma forma homogênea de pressão continuada sobre os ecossistemas e as múltiplas alternativas que a biologia assegura, para a reação destes ecossistemas, àquelas mesmas pressões. Ao preconizar utilização massiva de determinados agrotóxicos, durante safras sucessivas, sobre um mesmo ambiente, o sistema força a emergência de fontes de ineficácia para aquela tecnologia. Em outras palavras, a adoção de uma prática homogeneizadora, como alternativa de solução para determinado problema, define o surgimento de novos problemas, via de regra estabelecidos em escala superior. Na grande maioria dos casos os problemas criados por esta lógica são de complexidade crescente, exigindo soluções cada vez mais onerosas e menos satisfatórias.
Em termos práticos, a utilização continuada de um mesmo agrotóxico determina emergência de populações que lhe são tolerantes, levando inicialmente à necessidade de aplicações mais volumosas daquele agrotóxico e, posteriormente, à sua substituição por outros produtos. A experiência global com cultivos geneticamente modificados para tolerância a herbicidas, com o avanço na aplicação dos agroquímicos que compõem seus pacotes tecnológicos e a expressiva emergência de plantas que lhes são tolerantes, é suficientemente ilustrativa deste fenômeno.
Entretanto, e infelizmente, no caso do Evento LLRice62 nos defrontamos com circunstância carregada de fatores inéditos, cuja relevância não pode ser minimizada.
De um lado, temos o fato de que envolve as lavouras de arroz, alimento de destacada importância para a soberania alimentar brasileira, que possui enorme relevância sócio cultural e que é decisivo para a economia de diversas regiões do país. De outro lado, temos que a cultura alvo da tecnologia, o arroz vermelho, em que pese a importância econômica de uma diferença agronômica básica: a coloração avermelhada do pericarpo dos grãos, é parente próximo da cultura que se pretende proteger, o arroz cultivado.
Independente das qualidades associadas a esta pequena diferença, ela implica em rejeição de mercado. Sua presença deflagra reação negativa por parte dos consumidores, em circunstância claramente equivalente àquela que se observa entre os consumidores europeus, relativamente ao arroz transgênico.
Por estas características, e pelo fato do parentesco com o arroz vermelho dificultar seu controle com herbicidas em lavouras tradicionais, compreende-se o sucesso obtido pelos detentores da tecnologia Clearfield (gene ahas mutante induzido), quando colocaram no mercado sistema envolvendo sementes de arroz resistente ao herbicida imazetaphyr, do grupo químico das imidazolinonas, e que a partir desta solicitação pode vir a ser substituído por sistema envolvendo sementes tolerantes ao herbicida glufosinato de amônio, do grupo dos aminoácidos. Infelizmente as mesmas características de parentesco, associadas ao uso massivo daquele herbicida, que levaram ao rápido envelhecimento do sistema Clearfield, tendem a inviabilizar a tecnologia LibertyLink (LL). Apesar das recomendações no sentido de evitar o fluxo do gene de tolerância para o arroz vermelho, e à revelia do interesse dos agricultores no sucesso da tecnologia, a introgressão da característica de resistência ao imazetaphyr se deu com tamanha velocidade que em poucos anos, já em 20085, estudo do IRGA identificava sua presença em 70% das amostras de arroz vermelho coletadas no Rio Grande do Sul. Que argumentos permitiriam supor que, com a tecnologia LL, o resultado seria diferente?
Ademais, há consenso quanto a fato de que não será possível obter um controle efetivo do arroz vermelho através do uso isolado de herbicidas seletivos, sendo fundamental a combinação de técnicas integradas, cuja eficácia inicia no uso de sementes livres do vermelho (Agostinetto et al., 2001) e avança pela utilização de práticas corriqueiras entre os agricultores de base agroecológica, envolvendo desde medidas associadas ao controle da água, até rotação de cultivos, integração com práticas de pousio, entre outras.
Também há consenso quanto à inevitabilidade da contaminação de Plantas Não Modificadas (PNM), quando em presença de PGM (Plantas Geneticamente Modificadas) sexualmente compatíveis com as primeiras. Uma vez que o fluxo gênico é algo comum e inerente à natureza, as trocas genéticas ocorrerão, e isto independe do que se faça para impedir o processo (Lu, 2003; Chen et al. 2004; Heinemann, 2007). A própria Bayer o reconhece, e afirma claramente que “a questão então passa a ser a estimativa do tempo necessário para que a utilidade do sistema LL seja diminuída, a ponto de retornar à situação agronômica e de tecnologia atuais” (Relatório de Biossegurança do Arroz LibertyLink Evento LLRice62, Bayer 2003, p113; processo 01200.003386/2003-79, p. 116).
Infelizmente, a empresa se equivoca ao mencionar que a falência da tecnologia permitiria “retornar à situação agronômica e de tecnologia atuais”. A principal evidência neste sentido está no fato de que, hoje, o arroz vermelho não é mais o mesmo de antes da difusão do sistema Clearfield, em que pese os esforços realizados por aqueles que eram diretamente interessados. Aliás, como veremos adiante, não apenas o nível de conhecimento sobre os riscos e processos envolvidos no fluxo gênico é bastante limitado, como as medidas de controle precisariam alcançar 100% de eficiência técnica, o que é claramente impossível.
Portanto, se faz oportuno relembrar a importante contribuição da EMBRAPA , que durante audiência pública alertou a CTNBio de que “será praticamente impossível retirar este gene do meio ambiente após a sua liberação e quando a tecnologia perder a sua validade agronômica, o arroz vermelho, que terá dois genes de tolerância a herbicida em sua constituição (ahas do Clearfield e bar do LibertyLink), poderá tornar-se um problema ainda maior do que o atual, para a cultura do arroz irrigado6”.
PARECER TÉCNICO:
Elaborado por Leonardo Melgarejo, Membro da CTNbio - representante do MDA. 22/06/2010.
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