18 setembro 2009

Agapan Debate contesta constitucionalidade de projeto de lei que enfraquece legislação ambiental gaúcha


Foto: (da esquerda para a direita), Eduardo, Marchesan e Moesch

Participantes do evento fortalecem parceria e programam ações em defesa dos recursos naturais do Estado.

A inconstitucionalidade do Projeto de Lei 154/2009, em tramitação na Assembleia Legislativa do RS, pode ser requerida junto ao Tribunal de Justiça do Estado caso os deputados gaúchos aprovem as alterações propostas pelo deputado Edson Brum (PMDB) ao Código Estadual de Meio Ambiente. A possibilidade foi defendida na noite desta quinta-feira, 17, em Porto Alegre, durante o Agapan Debate sobre "Leis Ambientais são Ameaçadas no RS". O evento, promovido pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, aconteceu na sala Sarmento Leite, da Comissão de Saúde e Meio Ambiente e reuniu mais de 30 pessoas, entre pesquisadores, ambientalistas, representantes de movimentos sociais e de associações de bairro, e jornalistas. Foram debatedores a procuradora de Justiça, Ana Maria Marchesan, o advogado, vereador e conselheiro da Agapan, Beto Moesch, o biólogo e assessor da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da AL, Amadeu Pirotti, e o biólogo, arquiteto e também conselheiro da Agapan, Francisco Milanez. O debate foi mediado pelo presidente da Associação, Eduardo Finardi.

A procuradora Ana Maria Marchezan lamenta o momento de "crise política, de identidade e de valores instalado no Estado, que atinge inclusive a área ambiental". Ela critica a justificativa apresentada pelo deputado, de que a Constituição Federal de 1988 ampliou, para estados e municípios, o poder de legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Ana Maria também questiona a "inércia da legislação federal", salientada na justificativa, reafirmando que o RS já tem Código Estadual de Meio Ambiente, que durante os 10 anos de elaboração envolveu todos os setores econômicos e produtivos do Estado. "Construímos uma legislação que é referência para o Brasil inteiro", diz.

"Não é por falta de leis que o ambiente está em degradação", afirma a procuradora, ao analisar que "a justificativa ao projeto de lei começa muito mal". Para ela, "nosso Código é de 2000, é recente". Sobre a proposta de lei em tramitação, Ana Maria cita "absurdos", como a redução da metragem das matas ciliares, a admissão de atividades de manejo em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a consideração das Unidades de Conservação (UCs) como Bacias Hidrográficas. "A Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público não comunga desse retrocesso que revela total imediatismo e falta de altruísmo, porque precisamos deixar um ambiente mais preservado para o futuro da humanidade", salienta.

GRAVIDADE DAS INTENÇÕES

Para Beto Moesch, advogado, vereador e conselheiro da Agapan, a possível alteração da legislação ambiental do RS é um problema mais grave do que o do Estaleiro Só e do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, pois "desconstitui um avanço que teve a participação de todos os segmentos da sociedade e a maior parte ainda não foi implementada". Para ele, "antes de alterar as leis é preciso aprimorar e melhorar o que já foi aplicado da própria constituição do RS, que regulamenta as diversas leis". Moesch questiona o que considera "aberrações que vão contra a própria história da Assembleia Legislativa, que centrou 10 anos de discussões contra os poucos mais de 70 dias de reuniões, neste ano, para determinar o projeto".

Entre os absurdos listados por Moesch estão a eliminação do capítulo da Mata Atlântica, reconhecida pela ONU como reserva da biosfera e que pode favorecer ao Estado o repasse de até R$ 40 milhões a fundo perdido via banco alemão GTZ. "Este é um exemplo da gravidade de tirar esse capítulo, diante da possibilidade de continuarmos a ganhar dinheiro de graça", diz Moesch, ao observar que "a maioria dos deputados sequer sabe que temos remanescentes de Mata Atlântica aqui no Estado".

Além de liberar o plantio de espécies exóticas sem licença, a proposta de lei libera as queimadas. "Que agricultura é essa que depende de queimadas? Cadê as tecnologias", questiona Moesch, ao afirmar a intenção de fragilizar e quase aniquilar a legislação ambiental do RS. O advogado e conselheiro cita ainda "o absurdo em diminuir a metragem de preservação de mata ciliar para um máximo de 50 metros, a retirada das ONGs do processo de discussão e a eliminação do sistema de informação do Executivo, em disponibilizar os laudos e outros dados técnicos, e da população, em não ter mais acesso às informações ambientais. Para ele, "a legislação ambiental deve ser usada pelas Secretarias da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura e não apenas pela Ambiental".

FAVORECIMENTOS AO "AGRIBUSINESS"

O biólogo Amadeu Pirotti, assessor da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da AL, lembra que em 70 dias foram feitas três audiências públicas (em Passo Fundo, Santo Ângelo e Santa Cruz) e reuniões em diversas cidades, que culminaram com a vinda do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a Porto Alegre, e denuncia que o projeto de lei "não foi debatido e, por isso, não representa o anseio social".

Pirotti observa que a CSMA vê o PL 154 com muita restrição. "Se chegar a plenário, não passa, e, se passar, a vedação do retrocesso é o mote da situação", diz. O biólogo lembra que há interesse do pequeno produtor em ser ressarcido pelos serviços ambientais e de preservação prestados. Para ele, "todo o Código Ambiental proposto é voltado ao agribusiness".

"Tirar o capítulo da Mata Atlântica é como proibir a palavra amor". A comparação foi feita pelo também biólogo Francisco Milanez, ao questionar a "atitude mal intencionada e boçal de alguns deputados em anti-educar a população gaúcha". Para ele, a lei menor não pode ser mais permissiva que a lei maior, diz, ao destacar a intenção de reformar a lei federal (Código Florestal), em discussão no Congresso Nacional.

Milanez critica a possibilidade de eucaliptos serem plantados em rolos rasos, como nos Campos de Cima da Serra, "onde as pedras crescem, a partir da erosão provocada pelas chuvas", e no Pampa, "onde as sedentas exóticas, com suas longas raízes, vão rebaixar o lençol freático, tirando a água do capim, de raízes curtas, mas próprias para aquele ecossistema". Para o biólogo, um Estado inteligente planeja, faz o zoneamento e conhece todos os seus biomas. "Temos vocações no nosso Estado que devem ser incentivadas e implementadas, preservando o ambiente e não flexibilizando a legislação".

O PL 154/2009 foi apresentado na Sala das Sessões da AL, em 9 de julho deste ano, assinado pelos deputados Edson Brum e Gilberto Capoani (PMDB), Adolfo Brito e Jerônimo Goergen (PP), Zilá Breitenbach, Mauro Sparta e Coffy Rodrigues (PSDB), Aloísio Classmann (PTB) e Gerson Burmann (PDT). Não assinaram os deputados Heitor Schuch (PSB) e Dionilso Marcon e Elvino Bohn Gass (PT). Desde o último dia 1º está sob análise na Comissão de Constituição e Justiça.

Por Adriane Bertoglio Rodrigues
Foto: César Cardia

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