Na próxima segunda-feira, 27, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) completa 38 anos de atividades. Pioneira brasileira e mundial na luta ambiental, a entidade comemora a data com uma confraternização e uma homenagem a Augusto Carneiro, atualmente o decano dos ecologistas gaúchos, um dos fundadores e principais ativistas históricos da Agapan.
NO SEU ANIVERSÁRIO A AGAPAN HOMENAGEIA AUGUSTO CARNEIRO.
“Comemorando esses 38 anos de ativismo, vamos homenagear Augusto Carneiro que, apesar dos seus 87 anos, segue incansável na militância ambiental, participando ativamente nos problemas ecológicos locais, regionais, nacionais e planetários, vendendo livros, distribuindo artigos, interagindo com as pessoas, comunicando-se, canalizando e passando informações ecológicas importantes. Isto é o que o Carneiro há dezenove anos vem fazendo todos os sábados de manhã, na Feira dos Produtores Ecológicos, no bairro Bonfim, em Porto Alegre”, explica Edi Fonseca, presidente da entidade.
CARNEIRO: A MILITÂNCIA ECOLÓGICA COMO TRABALHO DE FORMIGA.
Augusto Carneiro e José Lutzenberger formaram uma dupla decisiva no processo de criação da Agapan e nos rumos tomados pelo movimento ecológico gaúcho e brasileiro. Enquanto Lutzenberger trilhava o caminho que o levou a ser um dos ecologistas mais conhecidos do mundo, Carneiro fazia o seu trabalho de formiga na retaguarda, mandando materiais por correspondência, preparando contatos, atendendo às necessidades burocráticas, administrativas e contábeis da Agapan, enfim dando cobertura à atuação pioneira de José Lutzenberger e fazendo sua atuação ecológica própria. Este, nos tempos heróicos do movimento ecológico, uma vez demonstrou cientificamente para a Hilda Zimermann a importância ecológica das formigas nos processos de mineralização do solo. Diferentemente do Lutz, o Carneiro tem passado ensinando com o próprio exemplo importância ecológica não da formiga mas do trabalho de formiga. Neste grande formigueiro que se transformou a civilização, as vidas Lutzenberger e de Carneiro nos ensinam a valorizar a importância ecológica da ação individual. Normalmente a gente tende a se considerar impotente em termos individuais diante da complexidade e da possível irreversibilidade da crise ecológica. Lutzenberger dizia que mesmo que ele soubesse que o mundo iria acabar em três dias, ele continuaria fazendo tudo o que vinha fazendo ao longo de toda a sua vida: o que ele considerava certo, digno e correto como expressão de sua consciência ecológica. Como Lutz, o que Carneiro nos ensina com seu exemplo é uma lição de coragem, dignidade e coerência: cada cidadão expressa um poder imenso, possivelmente o único capaz de enfrentar a crise ecológica, fazendo o que pode e deve ser feito, sem se preocupar com os resultados. Cada cidadão é uma formiguinha indispensável. Ela conta muito mais do que se costuma pensar para a consciência da soberania e a vida do formigueiro... Hoje, depois de 38 anos, cabe perguntar: “Será que o movimento ecológico, a Agapan e Lutzenberger teriam existido sem as décadas de trabalho voluntário realizado pelo Carneiro ?” A simples constatação de que esta pergunta faz sentido, dá a medida do poder e da responsabilidade de cada um de nós. Esta é a lição deste ecologista gaúcho e cidadão do mundo. Carneiro age fazendo educação ecológica, que é muito mais ampla e radical do que a chamada educação ambiental. E educação se faz com exemplo e com o testemunho histórico de uma coletividade.
CARNEIRO: MEMÓRIA VIVA DA CIDADE
O Carneiro é um profundo observador da natureza. Instituiu a prática educativa de fazer viagens e passeios para observar in loco as maravilhas da nossa natureza e os horrores que a sociedade de consumo vem fazendo. Ele gosta muito de conversar e é um banco de dados insubstituível para a ecologia urbana, cultural e natural de Porto Alegre. Na sua condição de octogenário absolutamente lúcido, ele pode nos falar com riqueza de detalhes, por exemplo, da época em que os morros de Porto Alegre eram cobertos de matas, havia pacas e quatis no bairro da Glória e capivaras à beira do Guaíba no Menino Deus. Ele ainda se lembra perfeitamente da época em que ainda não existia o serviço municipal de recolhimento do lixo doméstico em Porto Alegre. Espantem-se ao ouvir ele contar: “Não havia nada de lixo procedente de embalagens, não havia papéis nem plásticos. Todo o lixo orgânico de Porto Alegre, era dispersado e decomposto nos pátios das próprias casas. Os restos de comida eram alimentação para cachorros, galinhas e gatos... Naquela época havia muita mosca em Porto Alegre... sinal de que não havia uma preocupação em controlar os detritos domésticos com a finalidade de prevenir a proliferação destes insetos.” O envolvimento de Carneiro com a questão do lixo o levou a representar a Agapan por muitos anos no Conselho Deliberativo do Departamento Municipal de Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, DMLU. Nesta condição sempre lutou na defesa dos papeleiros e do seu trabalho de reciclagem de papel e papelão, bem como da reciclagem de latas e garrafas plásticas.
CARNEIRO E A MEMÓRIA DE ROESSLER
Entre os grandes feitos da sua carreira de ecologista, Carneiro foi o grande divulgador da figura e da obra pioneira de Roessler. O movimento ecológico gaúcho, brasileiro e mundial teve como um dos seus precursores o gaúcho Henrique Luís Roessler (1896-1963), ativista que nasceu e viveu em São Leopoldo (RS) e atuou no Rio Grande do Sul. Numa época de total inconsciência, Roessler se sensibilizou profundamente com os crimes e agressões à natureza que ele via em toda a parte, tais como a caça e a pesca predatórias, o desmatamento, as queimadas florestais e a poluição dos nossos rios pelas indústrias e esgotos domésticos. O primeiro ecologista brasileiro publicou 301 crônicas semanais no Suplemento Rural do Correio do Povo, no período de 15 de fevereiro de 1957 a 8 de novembro de 1963. A história e a obra deste pioneiro foi resgatada em 1986 por Augusto Carneiro, através da edição e publicação do livro “O Rio Grande do Sul e a Ecologia – Crônicas Escolhidas de Um Naturalista Contemporâneo”, uma antologia dos principais textos publicados por Roessler. A Fepam, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler, órgão executivo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do RS, ostenta no seu próprio nome a homenagem pública e oficial a este gaúcho, pioneiro mundial da ecologia. Mas é necessário lembrar que sem o trabalho editorial meticuloso do Carneiro, certamente o nome de Roessler hoje estaria esquecido.
A atuação de Roessler na imprensa originou as bases de onde surgiram a Agapan e o movimento ecológico gaúcho. Em 1971, graças à iniciativa de Carneiro e de alguns admiradores, foi fundada a Agapan sob a liderança de José Lutzenberger, dando continuidade à obra iniciada por Roessler. Mas por trás de toda esta história temos este trabalho incansável de formiguinha sem o qual nada teria acontecido. Por estas razões, no próximo dia 27 de abril, a Agapan estará comemorando seus 38 anos de lutas e homenageando Augusto Carneiro.
Um comentário:
Muito bom e oportuno o texto. Homenageia com completa exatidão o que é Augusto Carneiro.
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