22 setembro 2020

Pelo fim das queimadas, Agapan envia carta a Bolsonaro

Área próxima à Reserva Particular de Patrimônio Natural Morro do Azeite, em MS - Foto por: CBMMT

Frente à grave situação imposta pelo aumento contínuo dos incêndios na Amazônia e no Pantanal, sem contar os ataques reiterados e cada vez mais frequentes aos territórios indígenas e demais povos tradicionais brasileiros, no dia 20 de setembro a Agapan endereçou carta aberta ao Presidente da República solicitando "providências eficazes e imediatas de combate ao fogo" nas referidas regiões. A carta também cobra o cumprimento do Artigo 225 da Constituição Federal, e informa haver, de parte da Agapan, "estranheza que não haja uma ação mais efetiva" do Exército Brasileiro na proteção do território nacional. 

Confira a carta abaixo:


Porto Alegre, 20 de setembro de 2020.

Ao Excelentíssimo Senhor
Jair Messias Bolsonaro
Presidente da República Federativa do Brasil

A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - Agapan, impactada e até mesmo estarrecida com a tragédia de incêndios que estão se alastrando, de forma descontrolada, na Floresta Amazônica e no Pantanal, bem como em diferentes ecossistemas do país, solicita, encarecidamente, a Vossa Excelência, dentro dos preceitos e deveres constitucionais que lhe são cabíveis, providências eficazes e imediatas de combate ao fogo nestas regiões.
O fato tem ocasionado a extinção de boa parte da inestimável biodiversidade local, atingindo, igualmente, a sobrevivência de populações humanas que vivem nesses territórios.

Conforme a Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo VI, artigo 225:
- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – Preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
V – Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Em seu inciso quarto coloca:

- A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

O Pantanal é considerado o maior sistema contínuo de áreas úmidas continentais do mundo. Abriga pelo menos 3.500 espécies de plantas, 263 de peixes, 656 de aves, 95 de mamíferos, 162 de répteis e 40 de anfíbios. Essas características são responsáveis pela definição do Pantanal como “Patrimônio Nacional” na Constituição Federal e pela inclusão da área do Parque Nacional do Pantanal na Convenção RAMSAR de “Áreas úmidas de Importância Internacional”.

Há muito tempo, a Floresta Amazônica é reconhecida como um repositório de serviços ecológicos, não só para os povos indígenas e para as comunidades locais, mas também para o restante do mundo. Além disso, de todas as florestas tropicais do mundo, a Amazônia é a única que ainda está conservada, em termos de tamanho e diversidade.

No entanto, à medida que as florestas são queimadas ou retiradas, e o processo de aquecimento global é intensificado, o desmatamento da Amazônia gradualmente desmonta os frágeis processos ecológicos que levaram muito tempo para serem construídos e refinados, de forma a encontrarem o equilíbrio atual.

Ironicamente, enquanto as florestas tropicais úmidas diminuem continuamente, o trabalho científico realizado nas últimas duas décadas jogou um pouco de luz sobre os vínculos essenciais que existem entre a saúde das florestas tropicais e o resto do mundo.

Os cientistas acreditam que menos de 0,5% das espécies da flora foram detalhadamente estudadas quanto ao seu potencial medicinal. Ao mesmo tempo em que o bioma Amazônia está encolhendo lentamente em tamanho, a riqueza da vida silvestre de suas florestas também se reduz, bem como o uso potencial das plantas e animais que ainda não foram descobertos.

As espécies da Amazônia também são importantes pelo seu uso para produzir medicamentos, alimentos e outros produtos. Mais de 10 mil espécies de plantas da área possuem princípios ativos para uso medicinal, cosmético e controle biológico de pragas.

Produtos da floresta são comercializados em todo o Brasil, como o Açaí, o Guaraná, frutas tropicais, Palmito, fitoterápicos, fitocosméticos, couro vegetal, artesanato de Capim Dourado e artesanato indígena. Produtos não madeireiros também têm grande valor de exportação: Castanha-do-Brasil (também conhecida como Castanha do Pará), Jarina (o marfim vegetal), Rutila e Jaborandi (princípios ativos), Pau-Rosa (essência de perfume), resinas e óleos.

A Floresta Amazônica produz imensas quantidades de água para o restante do país e da América do Sul. Os chamados "rios voadores" - formados por massas de ar carregadas de vapor d’água gerados pela evapotranspiração na Amazônia - levam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Esses rios voadores também exercem influência nas chuvas na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile.

Segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), uma árvore com copa de 10 metros de diâmetro pode bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água em forma de vapor por dia – mais que o dobro da água usada diariamente por um brasileiro.

Uma árvore maior, com copa de 20 metros de diâmetro, pode evapotranspirar mais de mil litros por dia, bombeando água e levando chuva para irrigar lavouras, encher rios e as represas que alimentam hidrelétricas no resto do país.

O desmatamento prejudica a evapotranspiração e, por consequência, a rota desses rios, podendo afetar, assim, o regime de chuvas no restante do país e diversas atividades econômicas. Além disso, o Rio Amazonas é responsável por quase um quinto das águas doces levadas aos oceanos no mundo.

Assim, preservar a Amazônia é essencial para agricultura, produção de alimentos e para gerar energia no Brasil.

A liberação de verbas públicas e a realização de políticas públicas condizentes com a profundidade e a extensão do problema de incêndios e desmatamentos no país são urgentes.

Consideramos imprescindível, igualmente, o respeito às informações públicas fornecidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), assim como a valorização das políticas, dos funcionários e da estrutura do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A convivência harmônica com o meio ambiente, a garantia da soberania nacional e o amplo ordenamento jurídico no Brasil condicionam o Exército Brasileiro a uma participação efetiva nas iniciativas de preservação ambiental. Esta participação remonta ao Império, quando foram realizadas ações de recuperação e conservação da Floresta Nacional da Tijuca. Através da Portaria 571, de 6 de novembro de 2001, foi criado o Sistema de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro – Sigaeb. O Exército Brasileiro está presente em todos os biomas do país. Neste sentido, nos causa estranheza que não haja uma ação mais efetiva em termos de gestão e práticas desta instituição no que tange à defesa do patrimônio biológico e cultural de nossa nação e, mais particularmente, de nossos povos originários.

Na esperança de que Vossa Excelência tome todas as medidas cabíveis, de forma urgente, enviamos, desde já, as nossas cordiais saudações,

Atenciosamente,
Diretoria Agapan

Nota e edição: jornalista Heverton Lacerda



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