15 março 2016

Que tal cobrir Porto Alegre de verde?

Manifesto lido pelo presidente da Agapan, Leonardo Melgarejo, na Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Porto Alegre no dia 14 de março de 2016.

Rua Gonçalo de Carvalho/Porto Alegre - Internet



Agapan agradece à Câmara de Vereadores a oportunidade de manifestar sua interpretação a respeito da crise que se desenhou em Porto Alegre com vendaval inédito em sua magnitude, mas previsível em função das mudanças climáticas em andamento.
Estes eventos se repetirão e devemos nos preparar para isso. É sabido que no futuro próximo precisaremos de legislação e mecanismos institucionais adequados às pressões do clima em mutação.
A síntese de nossa exposição pretende examinar a realidade revelada pelo vendaval, e apontar situação que julgamos possível ser construída, para a qual nos propomos a colaborar.
Em síntese, desejamos uma politica clara e participativa, que resulte em uma cidade com árvores em todos os bairros, para beneficio de todos seus habitantes e visitantes.
A discussão da situação atual exige considerarmos um fato básico: a crise e os danos do presente respondem sim a um evento climático extremo, inédito e até então inesperado.
Mas eles foram agravados por uma condição de vulnerabilidade estrutural, ampliada por fragilidades construídas a partir de anos de práticas de manejo inadequadas, condições estas claramente associadas ao sucateamento da Smam.
Nos referimos aqui ao plantio de árvores de grande porte sob redes elétricas, seguidas de podas amputadoras de ramos, realizadas fora de época, em cortes horizontais, sem qualquer apoio aos processos de cicatrização.



Nos referimos também à implantação de tubulações e alargamento de ruas, com amputações de raízes.
As feridas geram apodrecimentos, facilitam o surgimento de doenças, fragilizam as árvores e ampliam os riscos de danos em situações como a observada no mês de fevereiro.
Também observamos árvores que pareciam sadias e tombaram inteiras. Vistos de perto estes casos revelaram, em sua maior parte, circunstâncias que poderiam ter sido evitadas com planejamento e assessoria.
Os exemplos são muitos. Casos de plantios em covas rasas, colocadas como se fossem pequenos vasos em regiões de solos extremamente compactados.
Plantas de raízes pivotantes estabelecidas em regiões de lençol freático elevado.
Amputações de raízes para alargamento da pista de rolamento.

Estas e outras situações impediram que o desenvolvimento das árvores assegurasse equilíbrio entre a parte aérea e a parte subterrânea.
Na assimetria resultante as copas seguraram o vento mas as raízes não seguraram as árvores, que tombaram arrastando os fios, provocando o caos.
Precisamos evoluir em direção a árvores sadias e fiações subterrâneas.
Casos de planejamento inadequado levando a fragilidade estrutural das árvores, agravados por manejos incorretos, desenharam os limites que observamos na cidade, em termos dos danos causados pelo vendaval.

O drama foi pequeno, considerando o que poderia ter acontecido com toneladas de madeira voando e fios elétricos serpenteando pelas ruas. Tivemos sorte.
Precisamos aprender com isso. Precisamos reduzir a importância da sorte.
O mais grave, a grande lição desta crise, está na evidencia de que não temos um plano estratégico para enfrentar situações como aquela.
A reação foi ágil, mas insuficiente. Passado um mês as ruas e as praças mais afetadas se mantém cobertas de resíduos.

Precisamos nos preparar para o futuro.

Isto implica definir o que entendemos por arborização urbana e estabelecer um plano que estimule a intervenção coletiva, para situações normais e em resposta a crises.
Qual a maneira mais adequada para resolver o problema dos danos observados nas árvores existentes? O que fazer com o material resultante? Como organizar a comunidade para tratar disso tudo?
Precisamos estabelecer critérios para seleção das árvores a serem plantadas em cada local, assim como precisamos proteger as espécies já estabelecidas. Precisamos superar a discussão tola que busca minimizar a importância de árvores exóticas, adultas, consolidadas na paisagem urbana de Porto Alegre.
Queremos que as árvores de Porto Alegre, independente de suas regiões de região de origem, permaneçam onde estão e sigam prestando os serviços ecológicos importantes que realizam.
Entendemos que o bem estar dos habitantes de Porto Alegre depende das árvores. Isto vale tanto para a Zona Norte, até aqui esquecida, como para o Bom Fim e o Menino Deus, que esperamos venham a ser recuperados. E queremos contribuir para isso.

Entendemos que esta contribuição pode se dar com nossa participação na construção de um Plano Estratégico que faça de Porto Alegre uma Cidade Verde.
Um plano que contribua para a redução de problemas como os observados nesta crise, e que estabeleça capacidade de respostas inteligentes e articuladas, em crises futuras.
Isto exige a valorização e o fortalecimento das associações de bairro e da equipe da Smam. E exige contratações emergenciais, que atendam demandas opressivas relacionadas a casos como este, mas também exige a formação de quadros de carreira.
Consideramos que a Smam precisa de equipe profissional permanente, servida por instrumentos adequados, apoiada por cursos de aperfeiçoamento e remuneração justa.
As crises ambientais associadas a mudanças climáticas vieram para ficar e temos que nos preparar para isso. A Smammerece um destaque maior do que tem recebido, por parte do executivo municipal.
A Prefeitura deve investir em quadros profissionais adequados à relevância desta empreitada.

A Agapan e as entidades que contribuíram na elaboração dos conceitos aqui expostos entendem que nesta crise se esconde uma oportunidade rara, que a Câmara de Vereadores deve compreender em sua relevância.
A sociedade porto alegrense está comovida com o drama, reagiu, pede para intervir, e precisa ser apoiada. Precisa ser capacitada para tanto.

Entendemos que a casa legislativa, por sua condição de representação e de neutralidade reúne as condições para liderar este processo, com o qual nos propomos a colaborar.
Foi por esta razão que pedimos espaço nesta tribuna popular.

Nossas sugestões são as seguintes:

Que a Câmara de vereadores crie um Fórum Permanente, onde a sociedade e as entidades ambientalistas se façam ouvir e possam contribuir para preparação de ações de cidadania em defesa do verde.

Se trata aqui não apenas de auxiliar na seleção de mecanismos para implantação e proteção de cobertura verde permanente, mas também para o estabelecimento instrumentos próprios, voltados tanto à proteção de árvores novas e adultas, como para a fiscalização das ações do executivo municipal, neste campo.

Como exemplo, solicitamos que a Câmara proponha redução de IPTU para moradores e condomínios que implantem e protejam árvores em seu terreno ou na rua em frente. A prefeitura de Curitiba fez isso com sucesso, para estimular o plantio de araucárias .

Entendemos que medidas assim ajudarão a reverter um quadro triste, onde os números mostram que o insucesso é a regra nas tentativas para implantação de mudas realizadas pelo poder público.

Não sabemos quantas mudas alcançam a idade adulta mas percebemos claramente que as declarações de que a cada árvore derrubada três são implantadas não estão funcionando. Não estão resultando em uma cidade verde.

Porto Alegre vem se tornando cada ano, mais cinza, mais feia, mais quente.
Existe vandalismo, sim, mas ele é inexpressivo em relação à ausência de regas.
As mudas estão morrendo de sede porque não há sistema de responsabilização solidária.
Ela não existe porque não existem estímulos para isso.
Entendemos que benefícios no IPTU permitiriam metas ousadas com as quais nos propomos a colaborar.

Que tal cobrir Porto Alegre de verde?

Todos perceberão benefícios óbvios como a redução na temperatura e nos volumes de escorrimento superficial.
Todos vivenciarão benefícios sutis como o fortalecimento do equilibro emocional e a redução da agressividade do povo.
Basta refletir sobre o estado de espírito de quem caminha 300 metros ao meio dia, na Assis Brasil, relativamente a quem caminha a mesma distancia na Gonçalo de Carvalho.
A diferença ilustra a importância desta proposta, para a qualidade de vida dos porto alegrenses.
Cobrir porto alegre de verde beneficiará a todos e corresponde a um direito dos moradores de todos os bairros .

2 – Que a Câmara de Vereadores elabore uma politica de desenvolvimento do verde, e o faça estimulando iniciativas da sociedade organizada.

Considerem neste ponto a série de sugestões encaminhadas a prefeitura e incorporem a elas a necessidade de um mapeamento/inventário das árvores existentes, com diagnóstico de seu estado e medidas para sua proteção.

3 – Que a Câmara de Vereadores convoque o Coletivo a Cidade Que Queremos e organizações como o Instituto dos Arquitetos do Brasil para discussão de modelos arquitetônicos e prédios mais sustentáveis, adequados aos impactos das mudanças climáticas.

Finalizando não poderíamos deixar de registrar nessa oportunidade a extraordinária contribuição de “salvamento das árvores” levada a cabo pela contribuição espontânea e cidadã de grupos como os 'Voluntários do Verde Poa', o 'Fórum Ambiental de Porto Alegre' e o 'Bate Papo com a Governança'. Articulados e combativos, eles nos mostraram como a comunidade afetada pode transformar a realidade apoiando a construção de uma cidade mais verde e mais humana.

Resta afirmar que esta manifestação foi construída com apoio de ativistas e organizações ambientalistas que tendem a se articular em torno ao Coletivo a Cidade que Queremos.
A eles atribuímos eventuais méritos dos argumentos e agradecemos pela honra desta oportunidade onde a Agapan apresentou suas opiniões, neste ambiente.
Estas entidades são algumas das que assinam o documento que sumariza estas e outras observações, que agora entregamos aos Srs Vereadores Cassio Trogildo, Presidente da Câmara, e Kevin Krieger, Líder do Governo, a quem pedimos especial atenção.
Em nome da Agapan e em meu nome agradeço aos senhores vereadores por este espaço e ao mesmo tempo me coloco a disposição para qualquer esclarecimento.

Leonardo Melgarejo
Presidente da Agapan




Algumas solicitações específicas, preparadas por militantes do verde e que gostaríamos de ver observadas pelos senhores vereadores, são apresentadas a seguir:

1. Entendemos relevante o estabelecimento de inquérito para identificação da origem e do destino da madeira retirada das ruas, praças e parques da cidade;

2. Recomendamos o planejamento e a implantação de que novas praças e parques em todos os bairros da cidade, e que empresas sejam instadas a adotá-las, como pratica relacionada a compensação de serviços devidos ao poder público;

3. Solicitamos que a Câmara estabeleça compromisso de que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre promova serviços de educação ambiental, sob orientação das entidades ambientalistas;

4. Reivindicamos que a Câmara de vereadores realize campanhas anuais, ao longo dos próximos dez anos, junto às mídias sociais e à população, para revisão de conceitos superados em relação ao meio-ambiente urbano e estabelecimento de novos paradigmas, adaptados as mudanças climáticas.

5. Solicitamos que a Câmara estabeleça delineamento de medidas cautelares contra o corte das árvores tombadas. Devem ser esperados novos incidentes ambientais futuros e cabem medidas preventivas relacionadas a praticas de sustentação, onde necessárias, e que recomende ao executivo novas atribuições a Smam. A Secretaria deve interagir abertamente com a sociedade, como interlocutora das demandas ambientais da sociedade civil. A Smamdeve ser capacitada e reforçada com quadros técnicos e equipamentos suficientes para adicionar a seus serviços análises e pesquisas-de-ponta tendo em vista a preservação e a segurança ambiental. Os quadros permanentes da Smam, além de ampliados, devem ser capacitados para as mudanças climáticas.

6 – Encarecemos que a Câmara determine a constituição de conselho deliberativo, com participação de entidades ambientalistas, responsável pela definição de procedimentos e medidas relacionadas a/ao:

a. Proibição do corte de árvores apenas pelo fato de caírem, sem considerar a possibilidade de reerguimento, recuperação, rebrotação e regalhamento. O rebrote de tronco ou raiz deve ser providenciado, através das técnicas consagradas da silvicultura comercial por exemplo; nos casos dos cortes das árvores serem realmente necessários. A tecnologia de içamento, manutenção e fixação de árvores caídas deve ser aprimorada e complementada

b. Uso adequado da madeira cortada nos parques. Recomendamos sua manutenção no local para fins diversos, como arte, bancos ou apenas adubo;

c. planejamento e realização de podas de condução e recuperação, com reforço de equipes nas épocas propícias (inverno)

d. Multiplicação de mudas de árvores das praças e parques, através do replantio e do estímulo e proteção às brotações espontâneas, como garantia contra quedas futuras de árvores;

e. Replantio, podas corretivas e cauterização de galhos rompidos, em toda a cidade ;

f. O combate aos parasitas das árvores deve ser praticado, indiferente quanto à produzirem frutos ou não;

g. A auto-adubação das árvores através de folhas e frutos deve ser respeitada, além do acréscimo de adubos, insumos e colocação da grama cortada no pé das árvores, especialmente nas épocas mais ecas do ano.


h. Plantar e proteger árvores com novas medidas de segurança como covas mais amplas, mais baixas e mais profundas para que as raízes possam se desenvolver mais e melhor.

i. Que se realize um estudo criterioso de cada árvore caída, sob orientação de ambientalistas capacitados e bem informados, no sentido de buscar a máxima preservação destas árvores.

j. Tocos secos também devem ser preservados, porque servem como excelentes vasos de proteção para novas arvores nativas, contra o grande risco a que as mudas novas estão sujeitas nos ambientes urbanos.

7 – Finalmente, solicitamos que sejam estabelecidas medidas punitivas que desestimulem criminosos ambientais, envolvendo multas expressivas, aplicadas em escala progressiva nos casos de reincidência. Os valores arrecadados devem compor fundo comum, a ser administrado por entidades ambientalistas locais, capacitando-as a dar conta de responsabilidades que lhes caibam em projeto ambiental e urbanista consequente com a politica e o programa de arborização que neste momento solicitamos à Câmara de Vereadores. Este programa, assim como as movimentações daquele fundo deverão ser supervisionados pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre.

Assinam as organizações presentes

Agapan
Ingá
Mogdema
Associação de Moradores do Centro de Porto Alegre
Fórum Ambiental de Porto Alegre
Coletivo a Cidade que Queremos






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