18 março 2013

Por falar em corte de árvores em Porto Alegre

Está em fase final de elaboração  livro sobre o ambientalista Augusto Carneiro. Um trecho do livro, de divulgação oportuna neste momento:    

                             



 

Na cidade de Porto Alegre existe uma rua de fama internacional. Para visualizá-la, basta uma busca na internet, em português ou inglês, digitando as palavras “a rua mais bonita do mundo”. Aparecerá a rua Gonçalo de Carvalho, que conquistou sua fama não por abrigar algum tipo especial de concentração humana, não por nela existir  um viaduto de desenho futurista ou um exótico centro de compras. Por nada além do espetáculo proporcionado pelas copas das árvores que se erguem, triunfantes, em meio aos edifícios. Dela diz o site Treehuger: “independente do mérito do título, ela representa o que é possível quando os cidadãos trabalham juntos para honrar e proteger algo belo”.

        
Hoje convertida em patrimônio natural da cidade, a ditosa rua já conheceu tratamento bem menos carinhoso. De fato, a Gonçalo quase teve seu “túnel verde” substituído por via pavimentada, para facilitar o acesso de automóveis a um teatro que seria construído ao lado de um centro comercial.  Quando moradores e ativistas pela qualidade de vida desencadearam um movimento que acabou salvando as árvores, muitos porto-alegrenses manifestaram sua contrariedade na imprensa, quase sempre argumentando que se estava impedindo o progresso.      

Rua Gonçalo de Carvalho (foto: Cesar Cardi      

 - É triste, apesar de tantos anos de esclarecimento, sempre de novo aparecem os que acreditam que natureza e progresso são coisas incompatíveis, quando na verdade o desenvolvimento de um povo se mede por sua capacidade de evoluir sem destruir – dizia Augusto Carneiro, desolado, apoiado em sua bengala, ao observar os restos mortais de árvores abatidas próximo à Usina do Gasômetro, no início de fevereiro de 2013. A fim de permitir a ampliação de uma avenida, a prefeitura dera início ao plano de remover mais de uma centena de árvores, ação que foi interrompida por manifestantes. Em foto publicada por alguns jornais, um jovem aparece acomodado nos galhos de uma das ainda sobreviventes, ostentando um livro de José Lutzenberger.


            A imagem remete a outro evento, ocorrido em 1975, quando ativistas subiram em árvores na avenida João Pessoa para evitar que fossem derrubadas. Um ato arriscado naqueles tempos ditatoriais, mas vitorioso. O viaduto projetado para a avenida foi construído, mas modificou-se o seu traçado de forma que as árvores puderam permanecer. Essa harmonização foi absorvida pelo imaginário popular como um fato positivo. Transcorridas poucas décadas, a população se apropriou de espaços como o Parque da Redenção, o Parque Marinha e o Parque Maurício Sirotsky, referindo-se a eles com orgulho, já sem lembrar que por várias vezes estes locais e seu entorno estiveram ameaçados. Assim como a Gonçalo de Carvalho. O mesmo se aplica ao patrimônio histórico. O Mercado Público do centro da cidade, hoje um local que a maioria gosta de apresentar a visitantes, teria sido derrubado não fosse a intervenção de um punhado de ativistas.

          Ele acredita que os órgãos ambientais oficiais “são inefetivos porque eles têm pouca influência sobre outras secretarias e repartições, seus dirigentes são quase sempre escolhidos por conveniências partidárias de momento e não por terem real interesse e preparo técnico”. Isso explicaria também por que tais órgãos, em suas manifestações, costumam valorizar somente a beleza e a contribuição estética das árvores.

            - Arborização é muito mais do que isso – repete ele, exaltado. – As árvores das cidades cumprem funções importantíssimas para a qualidade de vida da população, retendo poluentes e melhorando o microclima, além de garantir a sobrevivência da fauna silvestre no meio urbano, especialmente as aves.

            Não só em Porto Alegre, esse tipo de dado tende a ser ignorado pelas municipalidades quando estão em jogo grandes obras, públicas ou privadas. Parecem ainda ter preferência os técnicos e urbanistas que, em suas intervenções, reservam à natureza, no máximo, um papel estético. São poucos os exemplos de obras que buscam desde o início a integração com a paisagem já existente. Remover vegetação parece estar quase sempre entre as primeiras opções, não entre as últimas.  Tanto é que os arquivos de Carneiro, da Agapan e das demais entidades ambientalistas registram um número impressionante de situações de confronto com administradores públicos por causa de árvores e parques.

            “Certas pessoas têm dificuldade em reunir e compreender as ideias que conduzem ao reconhecimento do valor intrínseco das áreas naturais, sua base filosófica, moral e biológica”, pensa Carneiro. “É essa dificuldade que está por trás das declarações de que haverá reposição das árvores derrubadas por causa de obras. A reposição quantitativa leva décadas para acontecer, quando as árvores do replantio alcançarem a idade das que se perderam. A reposição qualitativa  jamais acontecerá, pois aquele ambiente único, que integra as lembranças do povo, este se perde para sempre”.



   
(Do livro de memórias de Augusto Carneiro, em fase de conclusão, por Lilian Dreyer).



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