05 fevereiro 2013

A Trincheira da Anita, um modelo falido

Rua Anita Garibaldi  (AGAPAN/ Nessa)



Assistimos a um surto de obras em Porto Alegre, entre elas a denominada Trincheira da Anita, que projeta a escavação da rua Anita Garibaldi, plantando um viaduto em seu cruzamento com a avenida Carlos Gomes, com o alçamento de paredões de concreto em ambos os lados da via e,  dali, extirpando 240 árvores de médio e grande porte. Obra com dotação orçamentária original de 10 milhões de reais, já revistos e suplementados para 16 milhões. Verbas da Copa.

Os moradores da rua manifestam-se contrários, no que têm o resoluto apoio da Agapan. Nos dias de hoje, todos já vimos quem tende a ganhar e a perder com obras de gigaeventos, como os jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro e agora essa Copa do Mundo. Temos também uma vaga noção de como ganham. É ainda difícil ao cidadão comum o acesso aos complexos detalhes técnicos e aos costumes que regem o fluxo das enormes somas disponibilizadas.

Essa obra, em particular, tem como justificativa melhorar o trânsito de veículos nas ruas de Porto Alegre, mais e mais congestionadas pelo crescimento diário do número de automóveis. 
Por enquanto, apenas o poder público tem convicção de sua necessidade e utilidade, já que a sociedade, tendo à frente os moradores, foi sistematicamente ignorada na tentativa de sua discussão, só obtendo atenção após a ocupação da rua, acampando na frente das máquinas.
Aliás, estima-se hoje que 70% dos automóveis em circulação diária na cidade levam apenas o motorista. Uma tonelada, no mínimo, para transportar 70 kg. Convenhamos, em termos energéticos, coisa do século XIX.

Com os avanços tecnológicos de nossos dias, como a nossa sociedade não enxerga essa escancarada realidade? Ou melhor, por que não enxergamos essa escancarada realidade? Como nos conformamos com as condições viárias de Porto Alegre, que todos conhecemos? Como podemos acreditar que a solução disso tudo está em mais e mais obras, que, construídas com inestimáveis custos ambientais e sociais e enormes aportes financeiros, inauguram-se já desatualizadas? Posta a nova via em funcionamento, a resposta é sempre a mesma: ficou ruim, mas sem ela seria pior. Verdade ou não, optamos por aceitar a piora com otimismo.

Enquanto isso, capitais como Amsterdam gozam de outro problema, a falta de espaço para estacionar... bicicletas, para cuja solução vêm testando algumas tecnologias. Enquanto isso, nós, imbecilizados no interior de uma brilhante carcaça, com som e ar condicionado, levamos 10 minutos, ou mais, para andar 100 metros. Não importa, ela brilha, ela nos protege e nos diferencia. Ela nos dá, sobretudo, identidade! Imbecilizados, eu disse.

Não estamos sozinhos em Porto Alegre. O Planeta Terra funciona assim.  Zilhões de tonéis de petróleo refinados para gerar gasolina, fazendo de cada um de nós o feliz contemplado com parte da responsabilidade no lançamento de toneladas de Carbono na atmosfera. Aquecimento global, alguém lembra?

Árvores marcadas para morrer . (AGAPAN/Nessa)
Nós, da Agapan, apoiamos a luta dos moradores da Rua Anita Garibaldi por entendermos que esse modelo destruidor de vegetação e vida e gerador de concreto, com seus valores falidos e recursos desperdiçados, está errado.

Trabalhamos por uma sociedade atuante e informada, que se mobilize e também escolha representantes e administradores realmente comprometidos com a manutenção de um meio ambiente equilibrado e saudável, que se posicionem claramente contra esse atual modelo de hiperconsumo, que incentivem investimentos na pesquisa de novas tecnologias para dotação de um transporte público que constitua, realmente, alternativa ao automóvel individual. 
Representantes que exijam nada menos que isso, não só das empresas permissionárias, mas também das demais instâncias de governo, que incentivem o uso de transportes alternativos, que proponham uma mudança cultural, dizendo que, daqui por diante, nossa cidade vai preservar cada centímetro de sua vegetação, e que, em suma, vai rejeitar esse modelo perverso e já insuportável.

Por Eduardo Finardi Rodrigues, conselheiro da Agapan/RS

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